O diretor espanhol Carlos Vermut nos mostra em ‘A Garota de Fogo’ até qual extremo o ser-humano é capaz de ultrapassar quando tomado por uma emoção nebulosa.
O filme começa com Alicia (Lucía Pollán), uma criança doente em estado terminal que sonha em ter um vestido do seu anime favorito “Magical Girl Yukiko”. Fazendo Luis (Luis Bermejo), seu pai que está desempregado, ir em busca de qualquer coisa para conseguir realizar o sonho de sua filha. Ao tentar achar meios de conseguir o dinheiro para realizar a vontade de Alícia, Luís encontra Bárbara (Bárbara Lennie), uma mulher que sofre transtornos mentais e tem um passado conturbado, e ainda há Damián (José Sacristán) um professor aposentado que possui um passado misterioso. Bárbara, Damián e Luís se envolvem em uma sequência de chantagens e conflitos emocionais onde vemos o pior do caráter humano pela busca de soluções.
Com um ritmo lento, temos um filme que chama muito a atenção pela sua violência, demonstrando o caos que a emoção e a necessidade humana pode nos levar. A história se desenvolve em capítulos; no primeiro deles ‘A Garota de Fogo’ já nos diz sobre a agressividade sutil que quer abordar, pessoas com problemas emocionais, financeiros ou amorosos sendo levadas para um conflito em que mudará toda a trajetória de suas vidas. Conseguimos sentir os constrangimentos dos atores de forma extraordinária, num trabalho muito bem feito pelo elenco do filme, destaque para José Sacristán e Bárbara Lennie com uma transformação e construção dos seus personagens repleta de revelações, e a forte importância para os acontecimentos que fazem qualquer um travar na cadeira do cinema.
Bárbara é uma personagem difícil de entender no nosso primeiro contato com ela em cena, mas depois fica claro a insanidade da personagem pela sua falta de normalidade social e sua loucura que são mostradas de formas formidáveis, com cenas lembráveis, que com certeza ao sair da sessão pode gerar boas discussões sobre o distúrbios e o comportamento humano. José Sacristán aparece pouco, mas quando entra em cena é arrebatador; o que não podemos dizer da pequena Lucia Pollán, que interpreta Alícia, com a sua expressão mórbida e robótica a atriz causa estranheza e um certo desapego sobre e a história. Já Luís Bermejo está seguro do seu papel com boas atuações.
O diretor Carlos Vermut tem uma tarefa árdua de transferir sentimentos dos seus personagens para o seu público esperando que a compreensão sobre os sentimentos de todos eles, sejam compreendidas de forma clara e intensa. Podemos ver que na metade do segundo ato o filme responde algumas perguntas e todas as questões que até então estavam no ar são reveladas e muito satisfatórias. De um jeito até perspicaz o diretor aborda situações com um silêncio, uma direção ótima onde se mostra a vasta importância dos gestos, palavras se tornam nulas e até despercebidas devido à grande sequência de situações que ocorrem ao conhecermos o filme. O conflito moral dessa história nos desafia o tempo todo. Salientando, o longa tem seus erros em facilitar algumas situações com desdobramentos ingênuos, porém aceitando esses acontecimentos nos questionamos sobre até onde podemos chegar quando estamos à espreita do medo, tristeza ou desespero.
Vale ressaltar a fotografia sempre escura fazendo às cenas demonstrarem o pior ou o mais desesperador de mulheres e homens à beira de um abismo sem escolhas, a não ser pular. Cruel e com decisões desafiadoras, o novato Carlos Vermut nos traz um bom filme, onde explora a coragem de uma história que pode não agradar algumas pessoas, mas com certeza vai despertar a curiosidade de cada uma das pessoas em suas poltronas conforme os capítulos vão sendo revelados. Principalmente o que se deve parabenizar em mais esse filme espanhol, é a lucidez de construir o clímax e terminar o filme no momento certo, seguindo aquele incrível sentimento recompensador quando sobe os letreiros. Claro, mesmo não possuindo histórias ou gêneros semelhantes, se você viu (se não, veja) ‘Mar Adentro’, ‘O Que os Homens Falam’, ‘Cría Cuervos’ e ‘Segunda-feira ao Sol’, você entenderá que a ‘A Garota de Fogo’ é mais um filme espanhol que acerta no enredo e com um final impressionante.