Certo Agora, Errado Antes

Sang-soo Hong é um diretor sul-coreano bastante conhecido, dentro e fora do seu país, graças a várias participações dos seus filmes no prestigiado Festival de Cannes e por ter impressionado com seu filme de estreia ‘O Dia em Que o Porco Caiu No Poço’ (1996). Um dos seus trabalhos mais recentes chegou a ser exibido aqui no Brasil, o drama ‘A Visitante Francesa’ (2012), e arrancou alguns elogios por parte da crítica. Seu mais novo trabalho tem um título curioso, que foi traduzido por aqui como ‘Certo Agora, Errado Antes’, muito melhor para nós brasileiros do que seu título original ‘Ji-geum-eun-mat-go-geu-ddae-neun-teul-li-da!’

A história pode ser resumida de forma bem simples, um diretor famoso (Jae-yeong Jeong) chega à cidade de Suwon, um dia antes de dar uma palestra, após um filme seu ser exibido em um Festival, e se apaixona por uma jovem e bela artista plástica chamada Hee-jeong (Min-hee Kim), mas há um problema crucial nisso: Ham (o diretor) é casado. Até aí nada de novo, mas a forma como o diretor Sang-soo conta essa história é o grande diferencial do filme.

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Diferentemente de outros diretores do cinema oriental, que se destacaram mundialmente pela ousadia de “quebrar as barreiras nacionais” por meio de produções mais “polêmicas”, como Ang Lee, que nos seus primeiros filmes retratava o choque cultural entre ocidente e oriente; Wong Kar-Wai que polemizou descartando o tradicional cinema de arte asiático em seu sucesso cult ‘Amor à Flor da Pele’ (2000) ou a brutal história de vingança apresentada por Chan-Wook Park em ‘Oldboy (2003)’, o cinema de Sang-soo se beneficiou da era da democracia no país e da libertação do controle estatal para “apenas” retratar a sociedade contemporânea da região, gerando com isso grande entusiasmo da população local pelo cinema nacional. Para mim, as duas bandeiras defendidas são válidas, pois enquanto a primeira contribuiu demais para que o mundo voltasse os olhos para o cinema da Ásia Oriental, a segunda serviu para propagar a cultura oriental no ocidente, e isso tem que ser muito respeitado.

Como a sinopse indica, ‘Certo Agora, Errado Antes’ pode ser uma história de amor proibido que toca na discussão de que todas nossas ações têm consequências e que a vida é feita de escolhas, mas foge um pouco do habitual, para nós aqui do ocidente, por não estarmos tão habituados com esse respeito às tradições e as imposições de uma sociedade muito mais conservadora, como é a da Coréia do Sul, neste caso. A trama é apresentada de uma forma curiosa, onde no início há uma inversão do título do filme, que vai fazer sentido só lá na sua metade. A primeira parte do filme é praticamente toda narrada em off, que acaba tornando as cenas um pouco mais expositivas do que deveriam, mas ajuda a explicar o universo interior do protagonista Ham, de forma mais ou menos parecida com a narração inicial do personagem de Jim Carrey no filme ‘Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças’ (2004).

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Enquanto vemos Ham andando ali por Suwon visitando os lugares, pois ele havia chegado acidentalmente um dia antes do previsto à cidade, percebemos que Sang-soo é um diretor que gosta mesmo de filmar, ou seja, a movimentação de câmera é constante, direcionando os olhos da plateia para onde ele quer, sabendo utilizar muito bem o ponto de fuga da imagem para posicionar o personagem de destaque na cena. Além de várias utilizações do zoom, evitando cortar uma cena de diálogo para um plano mais fechado, pois isso acaba dando uma continuidade mais agradável à cena e faz com que o espectador “acredite” mais nos personagens, porque tudo ali soa muito mais natural dessa forma.

Entretanto, o filme tem alguns problemas, especialmente no texto do roteiro, escrito pelo próprio diretor, onde há alguns diálogos um tanto abstratos, mas até isso é fácil de ser relevado graças a excelente atuação do elenco do filme. A dupla principal tem boa química e funciona muito bem nas cenas em que interagem e todos os coadjuvantes adicionam um realismo muito grande ao filme. Parece que simplesmente o diretor viu pessoas conversando nos lugares e ligou a câmera para registrar aqueles momentos.

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Dentro dessa construção de narrativa “natural”, a pouca utilização de trilha sonora é condizente para não tirar o foco da história. A mixagem de som é excelente, sendo que todos os sons ambientes, ruídos e diálogos são muito bem equilibrados, até porque os diálogos são parte fundamental dentro da proposta pensada pelo diretor no filme. Com relação à fotografia, os enquadramentos já foram elogiados, e sua união com a direção de arte urbana (dentro da cultura oriental, é claro) é discreta, porém caprichada, adicionam um toque poético muito bonito ao filme, que dialoga perfeitamente com seu significado.

Fazer uma análise sem “spoilers” de um filme como ‘Certo Agora, Errado Antes’ não é uma tarefa muito agradável, pois sua linguagem cinematográfica é tão relevante quanto o tema que propõe a discutir. Sem revelar muito sobre a trama, eu diria que Sang-soo mostra de forma muito inventiva como atingiríamos resultados diferentes abordando a mesma situação de formas diversas. Garanto que ao menos uma vez na vida você já pensou: “e se eu tivesse feito tal coisa de forma diferente?” ou “não seria melhor se eu tivesse dito a verdade?”, etc., é bem por aí. Embora esta análise tenha se apoiado em sua maior parte nos aspectos técnicos do filme, vale lembrar que o cinema utiliza seus próprios meios para suscitar pensamentos e expressões, e isso só pode ser alcançado com a experiência de ver o próprio filme. ‘Certo Agora, Errado Antes’, assim como muitos outros, é um filme que vai além da análise lógica, pois bem lá no fundo, seu tema reside no coração da natureza humana, algo que infelizmente nem as mais belas palavras poderiam explicar.




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