O suspense ainda é um gênero pouco abordado nas produções brasileiras. Disso o público não tem dúvidas. Valendo-se disso, é surpreendente que exista uma equipe tão empenhada em fazer com que exista mais opções de filmes brasileiros do gênero, ainda que o resultado final patine um pouco.
Não parece ser o caso de ‘O Caseiro’, filme dirigido por Julio Santi e produzido por Rita Buzzar. A produtora, aliás, conhecida por seu trabalho em belas montagens nacionais dramáticas, tais como ‘O Tempo e o Vento’, ‘Olga’ e ‘Budapeste’, diz com orgulho que resolveu apostar na proposta do diretor e mergulhar de cabeça no projeto. “Eu me apaixonei pelo roteiro”, afirmou ela, em entrevista coletiva sobre o filme realizada na semana passada, em uma terça-feira (14/06). Ela ainda reforça o quanto o suspense é, infelizmente, pouco abordado no Brasil, um país que, em contrapartida, consome muitos filmes do gênero e é marcado por uma quantidade enorme de crendices e superstições sobrenaturais. “Apostei no suspense como uma alternativa à comédia, um gênero abordado em excesso nos cinemas. É preciso pensar que o público gosta, sim, de consumir outras coisas. Gostaria que o suspense fosse mais valorizado”, afirma ela.
O resultado final da produção é agradável: há uma fotografia bem encaminhada, um tanto quanto obscura – o que casa bem com a proposta do roteiro. Na história, o caseiro de uma família acaba se suicidando dentro da casa que ocupava no enorme terreno da propriedade. Eventos inexplicáveis, que acontecem dentro do lugar, acabam resultando na teoria de que o seu fantasma retornou para assombrar os membros da casa. A filha mais nova de Rubens (Leopoldo Pacheco), o líder da família que viu o caseiro morto quando era criança, sofre com aparições de machucados em sua pele, o que só reforça o pensamento de que algo sobrenatural está acontecendo.
Filmado em uma bela casa em Jarinu, no interior paulista, cujos cenários só contribuem para um bom resultado final na fotografia, o longa metragem possui uma boa montagem. Foi esse resultado, inclusive, um dos maiores orgulhos de Rita Buzzari. “Fiz muitos dramas, como ‘Olga’ e ‘O Tempo e o Vento’. O drama é uma coisa com a qual as pessoas estão acostumadas. Mas o suspense aqui é visto com preconceito. O produtor é valorizado se ele faz drama, mas o ideal é atiçar a curiosidade do público e elevar a qualidade da produção em qualquer gênero”, finaliza ela.
Apesar da direção final ser satisfatória, é justamente no roteiro que se encontra a fragilidade do filme. Julio Santi, que assina o texto em parceria com João Segall, afirma que o trabalho com o texto foi puxado, com seis meses de escrita intensa. Ainda assim, não consegue apontar um elemento pessoal que tenha impulsionado a construção da história, ainda que alguns elementos tragam uma sensação de familiaridade no público. A viagem ao interior na casa da família, o ranger de portas, janelas, sons externos da natureza, a presença de uma boneca de pano… Tudo isso faz com que o espectador imagine histórias e lendas urbanas de sua própria infância, mas não foi esse o que impulsionou a escrita de Júlio, que parece não ter tido nenhum gatilho para construir a história. “Coincidentemente, tive uma lembrança forte da antiga casa do meu pai durante as filmagens”. João Segall, por outro lado, é enfático ao dizer que procurou fortalecer elementos da cultura brasileira para trazer a proximidade com o público e excluir boa parte dos destaques dados às produções de suspense norte-americana. No entanto, falta um bom motivo que convença o público da unicidade de seu enredo, claramente inspirado em filmes hollywoodianos. Ambos os roteiristas apontaram ‘O Sexto Sentido’, ‘Os Suspeitos’, ‘Os Outros’ e ‘Os Inocentes’ como fonte de inspiração. O roteiro transita bem entre o sobrenatural e o psicológico, mas a resolução final é muito mais do mesmo, com uma cena ou outra que foge do óbvio. Também é nítido que nenhum deles sabe definir bem qual o gênero exato do filme, o que se reflete no resultado como um ponto positivo. “O filme flerta muito com o terror, mas ele é híbrido. Também tem um quê de investigação”, disse Julio.
Os atores, por sua vez, pareceram empolgados com a ideia de atuar em um filme de suspense. As atrizes mirins Bianca Batista e Annalara Prates afirmavam sentir-se “como em um conto de fadas”. Mas a preparação psicológica das duas foi uma preocupação forte da direção. “Lutamos para que, o tempo todo, a filmagem parecesse uma grande brincadeira para as duas”, afirma Julio. “No final, tivemos mais problemas com os adultos. Com a questão psicológica, os arquétipos”, finaliza. Convidado para o papel do caseiro, o ator Roberto Arduin brincou: “É Oscar direto!”. A atriz Denise Weinberg, que vive a misteriosa Nora, afirma que o espírito “antigo” dos jovens roteiristas foi o que a fez sentir confiança no projeto. “Foi uma viagem bacana, um filme gostoso de fazer”, disse ela. Sobre sua personagem, ela afirma: “Gosto de sua ambiguidade, dessa personalidade sinistra”. Ela ainda cita a parceria com o ator Leopoldo Pacheco, com quem trabalhou no teatro: “Tivemos muita intimidade cênica, muita confiança”. Sobre os personagens do filme, ela conclui: “A concretude dos personagens é o que convence o público. O invisível, o buraco da imaginação do roteiro, fica com o público”. É justamente esse ponto ressaltado por ela que faz com que a história ainda tenha um atrativo, apesar de tudo.
A atriz Malu Rodrigues, que vive a estudante Renata,reforça um amadurecimento como atriz. Acostumada com papeis em musicais, ela disse que, inicialmente, teve medo do roteiro. “Não sou muito fã de filmes de terror, então tive um pouco de receio no começo. Mas confiei no projeto e foi extremamente agradável de filmar. O clima não ficou nada pesado, até porque, tinha crianças no set”. Bruno Garcia, que vive o protagonista Davi, reforçou o quanto gosta dos silêncios na produção final e reforça a importância de apostar no suspense. “É um gênero absolutamente popular no Brasil, mas muito pouco explorado. O que é curioso, porque o Brasil é muito sobrenatural”, afirma ele. Pernambucano, ele reforça as crendices regionais com as quais se familiarizou na infância. Mas ressalta que nenhuma delas foi fundamental para a construção do personagem.
Sobre a cidade, ele afirma: “Jarinu é uma cidade deliciosa, com bons restaurantes e muito bonita. Filmar em uma casa com viés mal assombrado foi um contraponto”. Perguntado sobre os perigos de confundir o psicológico com o sobrenatural, o que faz com que o filme acabe pecando na história, o ator foi enfático: “É maniqueísmo pensar nisso. Porque ambos estão separados”. Para ele, não há perigo de se confundir, mesmo que haja tantos casos de pessoas com depressão e outros transtornos psicológicos que são frequentemente apontados como indivíduos com problemas espirituais.
Apesar de decepcionar no roteiro, o filme tem elementos técnicos bem executados e um elenco afiado. É satisfatório que, em meio a tantas comédias cansativas, esteja um projeto que vá na contramão e aposta em uma emoção tão presente nos seres humanos: o medo.