JulietaAlmodóvar

O diretor espanhol Pedro Almodóvar é venerado no mundo cinéfilo e pela crítica de cinema, por abordar temáticas polêmicas de forma acertadamente exagerada e com seus desfechos, por vezes, satisfatoriamente chocantes. Sua estética, com cores primárias vibrantes, além da sua verve melodramática, dignas das melhores novelas mexicanas, são suas marcas registradas. Quando não encontramos essas características, as quais seus fãs estão acostumados e tanto amam, expressas de forma explícita, a primeira impressão é de decepção ao assistir alguns de seus filmes mais recentes, como ‘Abraços Partidos’ de 2009, ‘Os Amantes Passageiros’ de 2011 e o lançado no Brasil neste ano de 2016, ‘Julieta’.

Após chamar atenção com ‘Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão’, na década de 80, Almodóvar se tornou um cineasta de prestígio e com um fã clube apaixonado. Isso foi conseguido com o sucesso de vários filmes, ainda que entre um público reservado, porém qualificado, como ‘Ata-me!’ de 1990, ‘Carne Trêmula’ de 1997, consagrando-se com ‘Tudo Sobre Minha Mãe’ de 1998, longa-metragem com o qual ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A partir daí nos presenteou com outras pérolas cinematográficas, como ‘Fale com Ela’ de 2002 (Oscar de Melhor Roteiro Original), ‘Má Educação’ de 2003, ‘Volver’ de 2005, ‘A Pele que Habito’ de 2011, entre outros.

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Sua representação e identificação com a comunidade LGBT, também reforçou sua idolatria ao abordar de forma corajosa antigos tabus, como a homoafetividade e a transexualidade em filmes como ‘Tudo Sobre Minha Mãe’. Em ‘Má Educação’ utilizou muitos aspectos autobiográficos, para discutir a pedofilia na igreja e o reflexo dela na vida de homossexuais. O clímax de suas discussões sobre gênero foi com ‘A Pele que Habito’, onde discutiu o tema de forma imensamente criativa, longa este, que apesar de não ter sido tão premiado quanto outros dele, aumentou ainda mais seu prestígio no mundo do cinema.

‘Julieta’ não vai figurar na sua lista de “melhores filmes”, provavelmente vai ser considerado um Almodóvar “menor”, assim como o divisor das opiniões da crítica de cinema ‘Abraços Partidos’ de 2009 e o amplamente reprovado, por críticos e fãs, ‘Os Amantes Passageiros’. Da mesma forma que estes, passará longe de ser uma unanimidade de crítica, será severamente desdenhado por alguns e considerado subestimado por outros. Certo é, que quase todo o tipo de produção audiovisual com as quais ele se envolve, merecem uma atenção especial, sejam em seus filmes “autorais”, os quais ele escreve e dirige, ou mesmo em outros, os quais ele assina como produtor, como os recentes longas-metragens argentinos ‘Relatos Selvagens’ de 2014 e ‘O Clã’ de 2015.

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Em ‘Julieta’, os exageros característicos do diretor espanhol estão mais contidos, pois ainda que sua palheta de cores continue exuberante e seu melodrama ainda esteja marcadamente presente, sua temática não polemiza, nem choca, além do corriqueiro. Isso vai ser considerado um defeito por muitos, porém é no mínimo interessante ver Pedro Almodóvar produzir algo um pouco mais “convencional”. O foco narrativo aqui se debruça sobre uma estética visual mais “sóbria” e no seu texto adaptado do livro ‘Fugitiva’, da escritora canadense ganhadora do Nobel de Literatura em 2013, Alice Munro. O roteiro foi baseado em três contos do livro publicado em 2004 e lançado no Brasil em 2006, para construir a história de Julieta. “Acaso”, “Logo” e “Destino”, que apresentam três momentos diferentes na vida da personagem Juliet, que no filme foi rebatizada com a versão latina do nome.

Algumas de suas cenas referenciam visualmente o filme de Alfred Hitchcock, ‘Um Corpo que Cai’ de 1958, nítidas também, na trilha sonora do parceiro de longa data do diretor, Alberto Iglesias. ‘Julieta’ é um filme sobre culpa e ressentimentos familiares, que no longa parecem dramaticamente enfatizadas, mas que provavelmente está cheia de exemplos muito parecidos no mundo real. Os movimentos de câmera são utilizados de forma eficaz, com belos “planos detalhe” em roupas e objetos, assim como composições de cena que reforçam os sentimentos das personagens, também expressas nas mudanças corporais da atriz principal, principalmente em seus penteados. Temos aqui um contador de histórias, que está mais interessado em transmitir a consternação dos protagonistas, através das imagens, do que pelos diálogos do roteiro, relação que era melhor equilibrada em seus melhores filmes anteriores.

Provavelmente, para quem tiver contato com os textos de Alice Munro, o filme vai comunicar mais facilmente, mas infelizmente ele não vai dialogar tão facilmente com quem não tiver lido nenhum dos contos. O roteiro adaptado pelo próprio Almodóvar deixa a desejar, escolhendo algumas soluções de conflitos e diálogos, no mínimo descuidados, que atrapalham nossa probabilidade de conexão emocional com as personagens. Ainda assim, a direção de um cineasta diferenciado como este, vale uma ida ao cinema para conferir seu mais recente trabalho, que só não vai agradar os fãs cinéfilos mais radicais, que forem ao cinema com uma expectativa muito alta.

Quem aceitar a dica de conferi-lo no cinema e conseguir ignorar as não tão relevantes falhas da produção, vai se agradar das performances de um elenco muito qualificado. Destaque para Emma Suárez (Julieta aos 50 anos) e Adriana Ugarte (Julieta aos 30 anos), que merecem nossa expectativa e um olhar atento em futuros trabalhos seus, além de outros atores não menos notáveis, antigos parceiros de Almodóvar, como Dario Grandinetti (Lorenzo) e Rossy de Palma (Marian).




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