‘Seu grande desafio. A última esperança da humanidade’.
‘Inferno’ é o quarto livro baseado na saga do professor Robert Langdon, mas o terceiro filme adaptado para o cinema. Contando novamente com direção de Ron Howard (de ‘O Código da Vinci’ e ‘Anjos e Demônios’) e o retorno de Tom Hanks para o papel principal, desta vez o filme conta a história de quando Langdon (Hanks) acorda em um hospital e é tratado por Sienna Brooks (Felicity Jones) para curar um problema de perda da memória recente. Envoltos em uma trilha de pistas ligada à obra de Dante, juntos eles percorrem a Europa para salvar o mundo de uma arma biológica criada por um bilionário chamado Bertrand Zobrist (Ben Foster), que acredita que ao eliminar metade da população mundial irá salvar nosso planeta da iminente superpopulação.
Segundo projeções da ONU, a cada ano nascem 81 milhões de pessoas. Se esse ritmo se mantiver, passaremos dos atuais pouco mais de 7 bilhões de habitantes para 9,6 bilhões em 2050. Qual o problema nisso? Os recursos do nosso planeta são limitados e consequentemente, enquanto a população atinge esses números citados, a escassez de alguns recursos (como a água) também aumenta. Quem é familiar às obras do renomado escritor Dan Brown (a qual os filmes foram inspirados) sabe como ele consegue conciliar muito bem temas históricos (aqui temos Inferno, da Divina Comédia, de Dante) e assuntos pertinentes a nossa realidade atual (neste caso, a superpopulação) com uma trama fictícia muito bem intrincada e carregada de mistério. Só que mesmo contando com a direção do experiente vencedor do Oscar Ron Howard, as adaptações cinematográficas dos best-sellers não conseguem traduzir para as telas de forma eficiente os principais elementos contidos no livro. Isso acaba por gerar filmes que até agradam ao publico médio, que busca uma trama de mistério bastante didática e de fácil compreensão, mas em compensação não conquistam a crítica especializada e nem os fãs mais exigentes dos livros de Dan Brown.
Um dos principais problemas ao fazer um thriller de mistério é tornar os diálogos muito expositivos. Isso é recorrente desde o primeiro filme da franquia e infelizmente também está presente aqui em ‘Inferno’. Algo que funciona na mídia impressa, onde o escritor conta com a imaginação do espectador para construir uma visualização da história, no cinema costuma entediar bastante, pois o filme tem uma série de recursos audiovisuais para estimular seu público, contando histórias por meio das imagens. O filme ideal, ou seja, a história mostra que nos grandes filmes, os diálogos servem para reforçar a personalidade de um personagem ou em função da trama, com uma informação essencial para a história. Com o poderoso recurso da imagem ao seu lado, um filme como este deveria mostrar ao espectador como os personagens estão se sentindo e deixar pistas para que o mesmo consiga participar de alguma forma da investigação. Infelizmente, ‘Inferno’ não confia no seu público, explicando a todo momento tudo o que acontece, e acaba confundindo ainda mais o espectador pela grande quantidade de informação fornecida – em um livro, você pode ler de novo determinado trecho, mas no cinema essa ‘ponta’ vai ficar solta ou parecer mal explicada.
Outro problema que acaba sendo determinante em um filme de mistério é que há muita diferença entre suspense e surpresa. Como já mencionei, um bom filme precisa que o espectador se sinta curioso pelo que vai acontecer, intrigado, ou ate estimulado a participar junto dos protagonistas da investigação. ‘Chinatown’, ‘O Silêncio dos Inocentes’, ‘Seven’, ‘Amnésia’, são apenas alguns exemplos de filmes que utilizam muito bem esses recursos, isso sem citar, é claro, Hitchcock. Aqui em ‘Inferno’, há momentos surpreendentes, mas não há uma antecipação desses momentos para que haja um real suspense ou aflição do espectador pelo que vai acontecer. O mistério soa sempre muito falso, pois constantemente há uma milagrosa solução que vai salvar os protagonistas e isso torna a trama muito previsível. O triste é que com uma obra tão rica de elementos como o livro de Dan Brown, isso seria relativamente simples de resolver. Não há nada mais intrigante em um filme do que você saber de algo que o personagem não sabe ou vice-versa, mas não dar a todo o momento explicações do que vai acontecer à frente, isso mata totalmente o suspense do filme e soa ‘falso’.
No início, Ron Howard consegue colocar o espectador ‘na pele’ do professor Robert Langdon de forma pouco original, mas bem eficiente. Através de muita câmera subjetiva, imagens fora de foco e sons absurdamente altos, o diretor faz com que o problema de memória do personagem pareça plausível, gerando no espectador quase o mesmo desconforto que o professor deveria estar sentindo. Portanto, no primeiro ato, onde as peças do quebra-cabeça estão começando a aparecer, o filme consegue prender bem a atenção. Mas já no segundo ato, na descoberta de novas pistas e na forma como o mistério é conduzido o filme se perde como dito no parágrafo anterior, e a própria condição de ‘debilitado’ do protagonista deixa de fazer sentido, pois tudo acontece de forma muito artificial dali para frente. A trilha sonora de Hans Zimmer, embora não seja nem de longe uma das suas melhores, serve muito bem ao filme, bastante climática nos momentos de tensão, embora muito prejudicada pela falta de suspense ou conexão emocional gerada pela história.
Sendo assim, ‘Inferno’ é mais um filme em um nível muito próximo ao que foram os outros dois da franquia. Isso pode significar mais um entretenimento para alguns ou mais uma decepção para outros. O elenco de apoio conta com bons nomes e de origens bem variadas (que reforçam a questão ‘global’ do problema), do calibre de Ben Foster, Irrfan Khan, Omar Sy e Sidse Babett Knudsen (que coestrelou com Hanks ‘Negócio das Arábias’), além dos já citados protagonistas Tom Hanks e Felicity Jones. Mas todo o elenco é prejudicado pelo roteiro, pois não parecem pessoas reais em momento algum, sempre fica aquela sensação de que são personagens em uma história, e isso prejudica muito o envolvimento do espectador. Algumas conveniências de roteiro incomodam um pouco, há pouca plausibilidade em praticamente tudo – o que é totalmente oposto ao que os livros fazem – e os vilões são super incompetentes, como de costume. Apesar de um plot twist interessante em determinado momento e de uma ou outra cena que aproveita melhor a bela arquitetura dos lugares onde a trama se passa (como a cisterna na ópera em Istambul, visualmente marcante e impactante), ‘Inferno’ proporciona não muito mais que uma investigação bastante trivial e que será facilmente esquecida.
Um momento apimentado: Langdon e Brooks fugindo dos perseguidores pelas passagens secretas de um Museu, que culmina no único grande momento de suspense no filme.