MAIS QUE AMIGOS | UMA COMÉDIA ROMÂNTICA HILÁRIA, EMOCIONANTE E ORGULHOSAMENTE GAY

Eu só conhecia Billy Eichner, um dos roteiristas e protagonista de “Mais Que Amigos”, por conta de seu papel na série American Horror Story e uma ou outra participação em séries famosas, ou até mesmo algum gif ou meme de seu programa Billy On The Street, um game show que envolvia Billy gritando com pessoas na rua. Nenhuma dessas experiências prévias poderia indicar que Billy um dia escreveria uma comédia romântica com tudo que uma comédia romântica tem direito, e que faria isso tão bem, mas “Mais Que Amigos” acabou se tornando uma excelente surpresa e um dos meus filmes preferidos desse ano (e de alguns outros anos também).

Se você ainda não ouviu falar desse filme, provavelmente ouvirá uma descrição como “uma comédia romântica gay”, e, bom, é realmente isso. “Mais Que Amigos” conta a história de dois homens gays que se apaixonam e devem passar por obstáculos para que o amor possa prevalecer, mas essa não é o único prisma pelo qual o filme deve ser considerado. É um “filme gay”, mas é também um filme capaz de divertir a todos, e para aqueles que são parte da comunidade LGBTQIA+, é também uma carta de amor, um aceno a um tipo de história que há tanto tempo vem sendo não esquecida, mas ignorada. Já estamos em 2022, diversos filmes centrados em personagens LGBTQIA+ já foram lançados, séries também, o que muitas vezes nos dá uma ideia de progresso (que de fato existe, apesar de tímido), mas esse é o primeiro filme com um casal gay como protagonista, escrito e dirigido por homens gays a ser produzido por um grande estúdio.

Falando primeiramente como uma comédia romântica, “Mais Que Amigos” conta a história de Bobby (Billy Eichner), um homem gay de 40 anos que apresenta um podcast sobre a cultura e história da comunidade LBTQIA+. Ele é sarcástico, ácido e solteiro convicto, se contentando com encontros casuais e nada além disso, até que ele conhece Aaron (Luke Macfarlane) numa festa. Os dois conversam brevemente, mas Aaron fica sumindo a todo momento e Bobby chega à conclusão de que ele é um estereótipo do cara que tem muita beleza, mas pouco cérebro, mas isso não é o suficiente para fazer com que Bobby o esqueça, e os dois continuam se encontrando mesmo deixando bem claro que nenhum deles tem interesse de se comprometer com um relacionamento. Com todas as diferenças e desencontro de ideias entre eles, acompanhamos sua história de amor hilária, sensível e com todos os clichês que uma comédia romântica pede.

A história tem como plano de fundo a realização de um sonho de Aaron: a inauguração de um museu sobre a história da comunidade LGBTQIA+, do qual ele será curador e é responsável por definir os temas abordados junto com um conselho formado por um diverso grupo de personagens com algo a dizer e reflexões a fazer, ainda que não sejam dos mais bem desenvolvidos. Enquanto isso, Aaron não encontra a mesma satisfação em sua carreira como um advogado especializado em Direito Sucessório que leva uma vida apática e sem paixão, coisa que ele descobre e vai se intensificando ao decorrer da história, oferecendo mais uma trajetória que os dois podem aprender a trilhar juntos.

O filme é especialmente inteligente porque é tão consciente de suas intenções o tempo todo, mas ainda sabe se levar a sério quando necessário e com leveza suficiente para não se tornar denso demais. As piadas caem nos momentos certos, todas funcionam muito bem (umas mais que as outras), os personagens carregam um carisma irresistível, até mesmo o Bobby que parece estar sempre mal-humorado e de mal com o mundo (e seus motivos pra isso são justificados) acaba caindo nas nossas graças. Os clichês são colocados justamente para serem clichês e são identificados como tal.

Contudo, há também mais uma camada para o filme que fala diretamente com a comunidade que retrata. Em uma cena nos primeiros minutos de filme temos Bobby relata uma conversa que teve com um produtor que queria que ele escrevesse um roteiro de um filme de comédia romântica com um casal gay, mas que fosse um filme que um homem hétero escolheria para assistir com a sua namorada, todo o diálogo entre eles demonstra, de alguma forma, exatamente o que Billy Eichner não queria fazer com “Mais Que Amigos” – não que um casal hétero não possa escolher esse filme para assistir, muito longe disso, mas que esse fosse um filme feito por um homem gay para um público queer (uma expressão que antigamente tinha conotação negativa e hoje é utilizada para falar de qualquer pessoa que não seja heterossexual).

Pouquíssimo tempo atrás era comum que a gente associasse um filme progressista como um filme que contasse uma história como qualquer outra, mas que em vez de um homem e uma mulher, trouxesse duas pessoas do mesmo sexo, isso porque associamos o preconceito apenas com a ideia de desigualdade, mas o real progresso acontece quando aceitamos as diferenças. É impossível criar uma história de um casal queer como a de um casal hétero, isso porque tanto como indivíduos quanto como casal, as experiências de vida e como são percebidos pela sociedade são completamente distintas. É aqui que entra a principal diferença de uma história contada por um membro da comunidade para a comunidade.

“Mais Que Amigos” é um filme orgulhosamente gay, do começo ao fim e em todos os seus detalhes entre eles. Os temas abordados são intrínsecos do público LBGTQIA+ e além das piadas mais amplas, o filme está cheio de “piadas internas” que tocarão muito mais esse público. O retrato aqui é o de um relacionamento entre dois homens gays, falando de suas expectativas, padrões, questões relacionadas à monogamia e sexo, tudo de forma transparente e aberta, sem mascarar nada para que fique mais “confortável” para uma visão heteronormativa. Na história, Bobby enfatiza as histórias ignoradas e nunca contadas ou que são contadas sob uma perspectiva externa e acabaram se perdendo com o tempo e ele tenta resgatá-las com o Museu. Na vida real, Billy Eichner usa o próprio filme para dar voz à uma parte ainda muito pequena dessas pequenas, mas não menos importante.

Cada experiência é única, coisa que é retratada com os membros do conselho do Museu, e ainda tem um longo caminho para que todas as elas tenham um espaço mainstream para serem contadas. A resistência do público de enxergar uma perspectiva além da sua própria ainda é presente e em grande quantidade: nos EUA o filme já estreou há alguns dias e o resultado das bilheterias tem sido muito abaixo do esperado, mesmo com o sucesso com a crítica internacional, o que só reforça a necessidade de narrativas como essa e do apoio de grandes estúdios para que elas continuem sendo contadas apesar daqueles que ainda se recusam a aceitar que toda história bem contada vale a pena de ser ouvida.

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