A Paixão Segundo G.H.
Diretor
Luiz Fernando Carvalho
Gênero
Drama
Elenco
Maria Fernanda Candido e Samira Nancassa
Roteirista
Luiz Fernando Carvalho e Melina Dalboni
Estúdio
Paris Filmes
Duração
126 minutos
Data de lançamento
11 de abril de 2024
A Paixão Segundo G.H. é uma produção, no mínimo, desafiadora. Inspirada no que talvez seja a obra mais impactante de Clarice Lispector, o filme fica entre uma adaptação e uma representação visual. Algumas semanas depois de ter assistido ao filme, sigo em dúvida sobre a posição da obra de Luiz Fernando Carvalho quanto obra cinematográfica. É inegável seu impacto, sua potência, afinal são as palavras de Clarice unida à atuação igualmente poderosa de Maria Fernanda Cândido. Não é possível assistir e não se sentir profundamente afetado. Por outro lado, até que ponto pode ser considerado adaptação se, na maior parte do tempo, não adapta – e sim acrescenta imagens a um texto já pronto?
Nos últimos anos se tornaram populares no mundo da música os “visualizers”, uma alternativa mais prática e barata aos clipes para acompanhar as músicas, podendo ser imagens avulsas ou um vídeo curto que se repete pela duração da canção. A sensação que tive foi de que o filme “A Paixão Segundo G.H.” serve como um visualizer do livro de Clarice, atribuindo imagens às suas palavras. Verdade seja dita, são imagens de muita qualidade. A direção de Luiz Fernando Carvalho é muito segura de si e do que pretende entregar e ele encontra em Maria Fernanda Cândido a musa perfeita para fazer isso acontecer, é praticamente impossível pensar em outra atriz que conseguisse fazer esse papel com tamanha robustez. Juntos, eles traçam sem uma linha cronológica, assim como no livro, a história de uma mulher da alta sociedade que tem uma epifania sobre a vida e a própria existência quando encontra uma barata no armário.
A dificuldade de enxergar o filme como uma adaptação vem, muito provavelmente, da impossibilidade de se adaptar uma história que não é uma sequência de acontecimentos, e sim um fluxo descontrolado de pensamentos e reflexões. A única personagem que conhecemos além da própria G.H., que nos apresenta seus pensamentos, mas não seu nome, é Janair (Samira Nancassa), a empregada doméstica de G.H., que se demite logo antes de G.H. decidir fazer uma faxina em sua casa. Janair, uma mulher negra trabalhando para uma mulher branca, carrega em sua presença (e também em sua ausência) um aceno às relações de raça e preconceitos, ainda que de forma singela. Afora as duas personagens, vemos algumas pessoas sem identidade, meros figurantes da vida de G.H. Seus devaneios, de qualquer forma, são interessantes de um modo que diálogos não poderiam ser, suas reflexões sobre sua pessoalidade, sua feminilidade e sua relação com a sociedade são algumas das questões levantadas por G.H. que são sua, de fora para dentro de si mesma, mas que ainda conseguem atingir à qualquer um que alcança, nenhum espectador pode sair ileso. Isso, é claro, é mérito do texto de Clarice, muitas vezes reproduzido palavra por palavra.
Mas como mencionado, Luiz Fernando Carvalho também deixa sua marca. A proporção da tela lembra a de uma pintura, assim como as cores utilizadas, primárias em sua maioria. A câmera está quase sempre interessada em mostrar a feição de G.H. em detalhes, com poucos planos mais abertos – Maria Fernanda Cândido sabe muito bem o que fazer com a atenção, mostrando total controle de sua interpretação e conexão com a personagem e seus sentimentos. Além disso, a trilha sonora também vem distinta e bem montada. É difícil ver um cenário, no entanto, em que esse filme agrade o grande público; por mais que haja a imagem, às vezes ela não é suficiente para segurar a atenção e a verborragia pode se tornar cansativa. Há também uma falta de clímax em seu desfecho, na cena final que prefere “dar a entender” do que de fato mostrar a ação de G.H., perdendo a oportunidade de oferecer um final tão impactante quanto seu começo.
Por Júlia Rezende