Guerra Civil
Diretor
Alex Garland
Elenco
Kirsten Dunst, Wagner Moura, Cailee Spaeny
Roteirista
Alex Garland
Estúdio
A24
Duração
109 minutos
Data de lançamento
18 de abril de 2024
Guerra Civil, o novo filme escrito e dirigido por Alex Garland (Ex-Machina e Aniquilação) em parceria com o estúdio A24, é um filme surpreendente a começar por seu trailer; além do título genérico (mas apropriado), as imagens do trailer falham em demonstrar uma de suas melhores qualidades: ele não é apenas um filme de guerra, e muito menos um filme de guerra como outros aos quais estamos acostumados. É provável que ele gere polêmicas e opiniões polarizadas, apesar de acreditar que cairá nas graças do grande público. É ainda mais provável, como algumas opiniões que ouvi já indicam, que nem todos vejam a história contada sob o mesmo prisma, podendo alterar totalmente sua opinião sobre o filme.
Alguns dirão (e já estão dizendo) que o filme perde em qualidade por não se posicionar, expor uma situação extrema e de cunho político, sem, de fato, fazer uma declaração desse cunho. Concordo com a segunda parte, o filme realmente não toma nenhum partido (de novo, diferente do que o trailer parecia indicar), mas dentro do contexto criado, tanto pela situação quanto pelo seu grupo de protagonistas, faz muito mais sentido essa abordagem “chapa-branca” e vou explicar o porquê. Guerra Civil já começa em movimento, Alex Garland não gasta qualquer tempo nos situando ou nos dando qualquer posição, o que podemos pescar, resumidamente, é que os Estados Unidos estão numa Guerra Civil, a Califórnia e o Texas se juntaram e formaram uma aliança separatista, entrando em guerra com o restante do país, agora dividido em dois. A guerra está chegando num ponto que possivelmente culminará na morte do atual presidente (Nick Offerman). Esse é o pano de fundo para um grupo de jornalistas, Lee (Kirsten Dunst) é uma fotógrafa especializada em guerra e muito respeitada em seu meio; Joel (Wagner Moura) é um repórter e juntos eles têm como objetivo conseguir uma foto e uma entrevista do Presidente antes que ele se renda – e antes de qualquer outro jornalista.
Para chegar até a capital, devem percorrer mais de 1000 km de carro em um percurso majoritariamente tomado pela guerra, mas antes de saírem ganham duas companhias para a viagem: Sammy (Stephen McKinley Henderson), um jornalista experiente com problemas de locomoção muito próximo de Lee, e Jessie (Cailee Spaeny), uma aspirante à jornalista que tem Lee como uma de suas referências. É um grupo inusitado que não é conectado por afeto interpessoal e sim pela paixão pelo jornalismo, tanto que nós mesmos não somos convidados a nos aproximar deles, nem ao menos sabemos seus sobrenomes ou histórias de vida. Isso não significa, no entanto, que eles não são personagens bem desenvolvidos – eles apenas são desenvolvidos o suficiente para contar essa história e nos emprestar sua posição para acompanhá-las, tanto que todos eles passam por mudanças cruciais, mas não exatamente surpreendentes, durante o filme.
Como mencionado no primeiro parágrafo, esse não é um filme convencional de guerra. A guerra civil traz, evidentemente, referências à política norte-americana atual e histórica, mas aqui é muito mais importante a posição do jornalismo, tanto que o filme funcionaria igualmente bem em qualquer outro ambiente de guerra. Há, inclusive, a guerra ética do jornalismo, quando eles estão entre os soldados, tirando fotos e acompanhando os acontecimentos para repassá-los ao público depois, tornam-se como eles: soldados, carregando câmeras no lugar de armas, como Garland enquadra muito bem. Ouvimos os cliques das câmeras na mesma intensidade em que ouvimos os gatilhos das armas, o que se torna ainda mais óbvio na parte final do filme. A direção de Garland é capaz de recriar para o espectador o ambiente vivido pelos personagens de forma imersiva: eles estão em guerra, mas ainda estão vivos, momentos de tensão absoluta são seguidos imediata e abruptamente por momentos de diversão e risos, acompanhados por uma trilha sonora que conjura normalidade, ambientes destruídos pelos combates são substituídos por campos intactos onde ainda sobrevive a natureza.
A falta de posição política clara de Guerra Civil é a mesma daqueles jornalistas: ela não importa. E para nós, como público, também não deveria importar, simplesmente porque não é o escopo e nem ao menos temos informações necessárias para “escolher um lado”. Em vez disso, somos convidados a presenciar os acontecimentos como os jornalistas, reportar sem juízo de valor, deixar de lado as emoções em prol de um objetivo maior (ou pelo menos maior para eles). É claro que isso resulta em uma frieza e, até certo ponto, desumanização, representada na evolução da personagem Jessie, enquanto Lee nos mostra exatamente o contrário. Num cenário de guerra, ainda mais num EUA distópico, em que a político levou todos a um ponto de extremismo e nervos à flor da pele, a guerra física é apenas um reflexo de guerras internas e emocionais que já aconteciam muito antes. “Guerra Civil” é um filme de guerra, como o ato final, com cenas inacreditavelmente realistas, com potencial de induzir ansiedade e dignas de uma boa sala IMAX, deixa bem claro, mas é também um filme sobre todas as guerras, sobre ética, capaz de nos colocar no lugar que julgamos a princípio, quando nos perguntamos como é possível que aquelas pessoas possam, ao ver alguém morrendo, sacar suas câmeras ao invés de estender a mão e interferir para ajudar.
Por Júlia Rezende