SINOPSE

“A Capital dos mortos: Mundo Morto” (2015) é o segundo longa-metragem de Tiago Bellotti, conhecido no YouTube pelo seu canal “Meus dois centavos”, no qual faz críticas e análises de cinema. Seu primeiro longa de sete anos atrás, é justamente a primeira parte de A Capital dos mortos, onde ele nos apresentou os zumbis de Brasília e alguns dos personagens que também aparecem nessa sequência. Agora o diretor retorna ao seu universo na capital federal “zumbificada”, para demonstrar que mesmo que ainda não tenha conseguido incentivo financeiro para continuar sua história, isso não o impediu de nos brindar com um trabalho de muita qualidade.

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A história de Mundo Morto, que chegou a ser cogitado como curta-metragem, acompanha o apocalipse zumbi já estabelecido e a degradação e desolação da vida humana em meio a personagens novos (como Denise, mulher forte e que nos é apresentada numa situação extremamente desagradável) e alguns provenientes do primeiro filme (como Lucas “alter ego” do diretor, que agora já está adaptado a subsistir nesse caos). A nova ordem social é a sobrevivência, custe o que custar, e os mortos-vivos são uma ameaça recorrente. Porém, o verdadeiro perigo são as pessoas vivas, que desprovidas de inibição (derivada da falta de instituições de autoridade e de senso de punição) e dotados de tédio e ociosidade, são capazes de atos de crueldade piores do que os ataques dos famintos comedores de tripas. É bacana ficar atento às citações ao primeiro capítulo, para quem assistiu, mas ninguém deixará de apreciar o segundo por não perceber estas referências.

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O diretor esteve, no dia 17 de maio na capital gaúcha, para lançar seu filme nos circuitos nacionais na XI edição do Fantaspoa (Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre). Em sessão comentada, onde fez um bate-papo com espectadores e fãs, revelou que havia concebido o projeto como uma trilogia inicialmente, disse também que escreveu um roteiro de terror usando elementos da umbanda, porém, ambas ideias estavam estagnadas, por dificuldades de financiamento e sem esperança de saírem da gaveta (duas pequenas curiosidades: em outras entrevistas revelou que o nome da terceira parte de sua saga de zumbis seria “A Capital dos Mortos: Dias Finais” e que o nome desse roteiro de “slasher movie” seria “A Vingança do Caboclo”). Também falou sobre a promoção que lançou em seu canal, quando pediu aos seguidores que enviassem curtas de até um minuto sobre a temática apocalipse. Os três melhores teriam cenas inseridas em seu filme e passariam na integra durante os créditos finais, mostrando o poder e a importância da interação entre as mídias tecnológicas de comunicação e provando que o cinema independente tem muita criatividade para inovar. É interessante prestar atenção ao pôster de divulgação do filme, que faz referência a estes vídeos, dando a impressão de que a infestação zumbi ocorre em vários lugares e faz uma sobreposição de imagens, que cria um número “2”, que propositalmente não consta no nome do longa.

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As evoluções cinematográficas de um longa para o outro são enormes, tanto em termos técnicos (qualidade de fotografia e execução da trilha sonora) quanto em narrativos (a história está mais coesa e consistente). O primeiro, que mantém uma linha um pouco confusa e que faz uso do horror cômico (ao estilo da recente película cubana “Juan de los Muertos”, 2012) pode ser visto como um filme amador e que se aproxima do gênero “trash”, em alguns momentos. O segundo muda radicalmente seu foco e essência, que apesar de utilizar-se do “gore”, como forma de expressão, fica longe de ser trash. Vale salientar o ritmo frenético com que o filme se inicia, com uma cena que nos situa num universo violento e com muita adrenalina.

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O elenco está comprometido e se esforça, sendo composto em sua maioria por atores desconhecidos. Destaque para Lorena Aloli, atriz de teatro que demonstra segurança em sua estreia no cinema, com carisma e expressividade. Também para Gustavo Serrate, que consegue transmitir a dramaticidade necessária para seu personagem Lucas, que sobreviveu aos ataques acompanhados no primeiro filme. Aqui temos uma excelente obra de baixo orçamento, onde o diretor lança um olhar mais cínico e mais amargo sobre o destino de seus personagens e até da humanidade, isso tudo talvez reflexo de toda a dificuldade que Tiago enfrentou para produzir e realizar as duas obras.

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Existem tomadas e planos de câmera, inteligentemente usados para valorizarem cenários desolados que a equipe de filmagem encontrou em Brasília. Há duas cenas que chamam a atenção tecnicamente: em uma ocorre uma perseguição feita num ambiente soturno de um prédio destruído, onde uma mulher nua corre para fugir – não de um zumbi – mas de uma pessoa viva e sádica, onde vemos a boa utilização da escuridão e do jogo de cena para causar agonia e claustrofobia. E em outra temos uma ação de um homem que prende mulheres vivas e mortas-vivas numa espécie de harém bizarro, onde elas ficam nuas e reféns da perversidade e dos abusos dele, é clara a intenção do diretor em criticar as arbitrariedades que mulheres sofrem quando ficam em situações de vulnerabilidade, já que a cena não possui nada de erótica, mas sim de grotesca.

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O diretor chegou a relatar que recebeu algumas críticas, de que as violências sofridas pelas mulheres em sua narrativa, bem como o fato de elas ficarem boa parte do início do filme totalmente nuas, seria machista. Provavelmente quem fica com esta impressão ao assistir, não compartilha da visão de futuro de teses como a de José Saramago em “Ensaio Sobre a Cegueira”. Também desconhece a história social humana, e como nos comportamos em momentos em que as instituições morais mais básicas não estavam atuantes. Além disso, a maior parte dos personagens de Mundo Morto, são mulheres fortes que resolvem seus problemas sem a ajuda dos homens.

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Há alguns problemas também, como cenas sem continuidade e que acabam ficando soltas em meio a história. Mas segundo o próprio diretor, essa cópia exibida no festival, ainda não está inteiramente finalizada, pois faltam algumas partes que ele pretende filmar e inserir na versão definitiva. A impressão que fica é de que esses sete anos foram de estudo e de amadurecimento, fruto inclusive, das críticas que Tiago Bellotti faz em seu canal e ele também admite que aprendeu com os erros de seu primeiro trabalho, o que resultou em um competente diretor, que entrega um filme de terror brasileiro honesto, de qualidade e que certamente agradará aos fãs de histórias a lá George Romero.

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TEXTO: Priscila Cardoso Fraga

EDIÇÃO E REVISÃO: Felipi Vidal Fraga

Trailer do filme:

Leia a nossa análise do XI FANTASPOA (2015), festival onde o filme foi exibido.

Leia a nossa análise do primeiro filme de Tiago Belotti, A Capital dos Mortos (2008).

 

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