Muitas pessoas, principalmente as que não têm crianças em casa, como filhos ou mesmo sobrinhos e primos, costumam subestimar a capacidade criativa das brincadeiras delas. O maior mérito do filme é relembrar cada um de sua própria infância, pois é impossível assistir e não sentir uma nostalgia ao ver brincadeiras que a maioria também fez em sua época. Nós nos reconhecemos em tela, em muitos momentos, assim como recordamos os primeiros anos de nossos filhos, irmãos, alunos, amiguinhos de infância e relembramos memórias que não sabíamos que ainda temos.
Dirigido por David Reeks e Renata Meirelles, com produção da Maria Farinha Filmes, ele dialoga e da continuidade a outros trabalhos que a produtora esteve envolvida, como nos documentários dirigidos por Estela Renner. Estela dirigiu documentários elogiados sobre o universo infantil, como “Criança, A Alma do Negócio” (2008) e “Muito Além do Peso” (2012), ambos uma espécie de denúncia, sobre a forma como influenciamos os infantes, através da publicidade e outros comportamentos, a serem consumidores compulsivos e a alimentarem-se de formas “não-saudáveis”. A Maria Farinha Filmes produziu outros como, “Tarja Branca” (2014), que trata dos benefícios das brincadeiras na infância, entrevistando diversos especialistas no assunto, como professores, pedagogos e artistas. A codiretora Renata Meirelles, também assina o roteiro, demonstrando a experiência adquirida com outro trabalho documental na área infantil “Sementes do Nosso Quintal” (2014).
Com cenas iniciais nas deslumbrantes dunas amareladas pelo entardecer, imagem utilizada no pôster, Território do Brincar difere dos outros projetos de Renner em sua forma de apresentação, pois não entrevista ninguém, nem faz juízo de valor do que está documentando. É uma obra sensitiva, que “brinca” com nossas próprias lembranças, ao mesmo tempo que nos apresenta novos contextos. Crianças que brincam na “sujeira” da terra ou com o “limpo” plástico dos produtos industrializados, outras como as indígenas, que têm alguns poucos brinquedos do “mundo civilizado”, mas tem a natureza inteira a sua disposição. Mas o que mais cativa, são aqueles que mesmo com pouca idade, fabricam seus próprios utensílios, seja esculpindo-os, reaproveitando antigos, até mesmo criando engenhocas eletrônicas ou interagindo com animais que puxam seus pequenos veículos e em alguns casos, até caçando-os e matando-os para comer, após prepara-los no fogo acesso por eles mesmos.
E é sobre uma forma cada vez mais rara de os pequenos se entreterem, negligenciada pela “falta de tempo” da sociedade contemporânea, que o longa-metragem quer falar. Nele não há lugar para os videogames, celulares e passatempos eletrônicos industrializados em geral, que cada vez mais roubam espaço do modo antigo de diversão infantil, deixando os pequeninos mais sedentários e doentes. Também não trata das atividades artísticas e esportivas, oferecidas por diversas instituição de ensino, como balé, o futebol ou música. É sobre o ato de brincar espontâneo, onde a única fórmula didática é a criatividade, a tentativa e o erro, o descobrir sozinho ou mesmo compartilhando a experiência como um amigo.
O mais surpreendente é como nos damos conta, de o quanto subestimamos a capacidade inventiva e de autossuficiência das crianças. Quem imaginaria um filho ou parente pequeno, de no máximo sete anos, matando enguias e as preparando em uma grelha de madeira, numa fogueira improvisada na mata. Ou ainda utilizando facões enormes, cortando uma grande parte de um tranco de árvore e esculpindo-o durante horas – fazendo um carrinho todo de madeira – desde rodas, eixo, base e animais ornamentais. Provavelmente habilidades que muitos de nós adultos não desenvolvemos, mesmo com toda nossa experiência, até por que cada um tem sua vocação, que já pode ser deslumbrada muito cedo em meio as brincadeiras pueris, mas que já expressam futuros talentos.
E é por isso que a brincadeira não pode ser padronizada, não podemos deixar que toda criança viva isolada, em frente ao seu smartphone ou tablet, temos que deixar que experimente o “mundo real” e descubra o que mais gosta. O aparelho eletrônico não é o vilão, só não pode ser o único recurso disponível, não pode ser a babá moderna, não pode substituir o território do brincar, por que o virtual ainda está muito longe de emular a realidade. Documentários como este, são cada vez mais necessários para orientar as novas gerações de pais, pois talvez muitos deles já saibam que a brincadeira na infância é fundamental para desenvolver um adulto feliz – por que lembram da sua com carinho – mas pode ser que muitos estejam ocupados demais para proporcionar o mesmo aos filhos, ou não entendam a importância, e nunca é demais relembrar o que realmente importa.
Trailer do Filme: