SINOPSE

“A capital dos Mortos” (2008) é um filme nacional independente de terror/zumbi, dirigido por Tiago Belotti, ambientado em Brasília e exibido no Festival Curtíssimos do Distrito Federal em 2008, fora da mostra competitiva. Produzido com um orçamento praticamente inexistente é um longa-metragem que só poderia ter sido realizado, por um esforço coletivo, de quem realmente ama a sétima arte e anseia por uma cena nacional de um cinema fantástico consistente. Rodado no bom e velho sistema de “guerrilha” de filmagens, obteve um resultado muito satisfatório, para quem sabe apreciar produções de orçamento zero, mas feitas com muito esforço e competência.

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O enredo começa como uma introdução, onde no século XIX, o profeta Dom Bosco prevê a fundação de Brasília e uma maldição relacionada com sua construção, que se realizaria após duas gerações, a contar de sua morte, período onde os seres-humanos seriam julgados. A trama principal transcorre 120 anos após a profecia, acompanhando um grupo de amigos que tenta sobreviver a um apocalipse zumbi que se espalha pela cidade. A narrativa é construída com diversas referências a ícones do cinema e da cultura “pop”, de George A. Romero até Maurício de Souza, com um tom divertido, que apesar de ter algumas cenas mais tensas e levar a sério a história que tem para contar, sabe rir de si mesmo.

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O roteiro do filme é inspirado nos clássicos filmes de mortos-vivos, como os do já citado Romero. Existe uma inserção de imagens após a introdução com Dom Bosco, talvez em referência à “Madrugada dos Mortos” (2004) de Zack Snider, que é uma refilmagem de um dos clássicos do “pai dos filmes de zumbi modernos”, porém com fotos ao invés de vídeos, que remetem aos nossos anos de ditadura, a guerra do Vietnã, entre outras representações histórico-artísticas, configurando-se como uma adaptação bem “à brasileira”. Sua fotografia amarelo-esverdeada, que lembra o “Movimento de Lomografia”* e o cenário que utiliza tomadas dos pontos turísticos da capital federal, cria uma identificação com o público brasileiro, que deve achar no mínimo interessante e engraçado, ver zumbis pelas ruas de uma cidade do Brasil. É uma pena que já não se encontre mais nenhum DVD do filme para comercialização, fazendo com que o público dependa das exibições do Canal Brasil, que são sempre pela madrugada ou tenha que assistir uma das versões piratas da internet, que perdem muito em qualidade de imagem.

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O conjunto de protagonistas é bem escrito, como o personagem Lucas – um “alter ego” de Belotti – mesmo que alguns não tenham tido tempo para um maior desenvolvimento em detrimento das cenas de ação, o que de forma alguma se torna um demérito. No geral são muito criativos, como o mencionado Dom Bosco, também o enigmático “Tio”, talvez uma referência ao homem sem nome dos faroestes? Ou ainda o homem da rodoviária, que é introduzido para relacionar a profecia com as narrativas de Cordel. Vale atentar ainda para trilha sonora, embalada, nas cenas de ação, pela banda brasiliense de Heavy Metal “Device”, assim como os MPBs, escritos exclusivamente para o filme, com destaque para a música “Soluço sem Soluções”, de Ingrid Mara, que encerra o arco de um dos heróis em tom melancólico.

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O elenco é desconhecido e faz o máximo que pode, de acordo com suas condições, para manter as atuações de forma coesa com o que a história exige. E apesar de nem todos terem as melhores performances já vistas em filmes independentes, eles aparentam estar muito confortáveis e se divertindo com seus personagens. Mais para o fim do longa, notamos uma forma mais cansada de alguns atuarem, provavelmente por que o que começou como uma brincadeira, já estava ficando um pouco exaustivo, o que atribui um ar de realismo para suas expressões. Destaque para uma participação do lendário Zé do Caixão (José Mojica Marins), além de algumas partes onde o próprio diretor participa apenas com a sua voz.

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Como o filme foi produzido entre os anos de 2006 e 2007, cabe chamar a atenção para o fato de que ele foi lançado antes de uma das séries mais populares da atualidade, que aborda a mesma temática em um universo muito similar, The Walking Dead. Apesar de os quadrinhos de Robert Kirkman já existir desde 2003, a comparação com a série televisiva baseada nas suas HQ, são uma prova de como o filme de Belotti poderia ter sido bem-aceito, pelo mesmo público que a assiste, caso tivesse mais investimentos. O interessante é que ele foi lançado na mesma época que outro filme nacional do gênero, Mangue Negro (2008), do capixaba Rodrigo Aragão, que também aborda a temática zumbi, numa mostra de que existem vários competentes cineastas, interessados pelo tema, em diferentes regiões do país.

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O cinema de suspense brasileiro, principalmente o fantástico, praticamente inexiste nos circuitos comerciais, apesar de ter começado a engatinhar com alguns lançamentos modestos, que tentam causar medo nos espectadores, como “Quando Eu Era Vivo”, “Gata Velha Ainda Mia” e “Isolados”, ambos de 2014 e que são mais psicológicos do que fantasiosos. No entanto, o público “médio” geralmente desconhece, que existe uma enorme cultura nacional de cinema de “bordas”, que envolve apreciadores do cinema fantástico, de suspense, de terror, trash, gore, entre outros, que se prolifera em festivais por todo o país, como o Fantaspoa (Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre). As produções mais antigas, geralmente eram feitas com um amadorismo decorrente principalmente da falta de investimentos, mas onde sempre se obteve ótimos resultados com os recursos disponíveis, como nos primeiros filmes do já citado Zé do Caixão.

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Entretanto, nos últimos anos, estes filmes vêm melhorando em qualidade de forma muito empolgante. Estes cineastas-entusiastas aprenderam muito com suas primeiras experiências e através de intercâmbios entre suas produções, têm conseguido tornar suas obras cada vez melhores e tecnicamente apuradas. A Capital dos Mortos foi provavelmente um filme de transição dentro da cena fantástica, apesar de não ter sido feito com as melhores técnicas que o dinheiro poderia pagar ele já apresenta uma narrativa mais “popular”, capaz de agradar públicos que não têm nenhuma intimidade com filmes nacionais do gênero.

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Outra prova de que o longa-metragem tinha um público interessado é que ele acabou sendo disponibilizado em sites de compartilhamento/pirataria e disputando este espaço “democrático” ao lado de filmes hollywoodianos e nacionais, populares. O filme vazou pouco tempo após ter sido lançado em DVD, o que provavelmente deve ser frustrante para qualquer realizador, com o agravante de que quando isto ocorre com um produto que não foi financiado por uma grande distribuidora, acaba se transformando não apenas num prejuízo financeiro, mas pode também, desestimular a maioria dos novos realizadores de cena independente. Apesar de sua obra de estreia não gerar um lucro, que é o melhor estímulo para um cineasta iniciante continuar seu trabalho, Tiago Belotti produziu uma continuação, “A Capital dos Mortos: Mundo Morto” (2015), que teve sua primeira exibição no 11° Fantaspoa no dia 17 de maio de 2015. É uma lástima que o diretor tenha afirmado durante o festival que infelizmente não fará uma continuação, do que antes havia sido planejado como uma trilogia e que já tinha até um nome, “A Capital dos Mortos: Dias Finais”, por causa das dificuldades de realizar suas filmagens, mas esperamos que mude de ideia no futuro.

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Belotti agora tem um canal no You tube com o título: Meus dois Centavos, criado para divulgar seu longa-metragem e seus curtas. Desde 2012 ele publica também análises sobre outros filmes e já tem mais de 30.000 inscritos, se destacando como um dos melhores críticos que fazem vídeos para a internet, por fazer comentários objetivos, onde destaca principalmente aspectos técnicos e qualitativos do cinema. No canal existem também cenas de bastidores de seus longas-metragens e outros vídeos de projetos como o da Série Trash!, exibido pelo Canal Brasil, que entrevista diversos cineastas da cena independente do cinema de bordas fantástico, discutindo o que é ser “Trash”.

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* Movimento que deriva do nome da marca de máquinas, “Lomo”, fabricadas durante a União Soviética.

Trailer do filme:

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SCALI, Yasmin; LANDI, Patrizia. Trash! A Série. 2012. 160 min. Canal Brasil. São Paulo. Globosat. Acessado em 29/05/2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=qrzGwD7hAuA

FARIA, Clara Dantas. A Capital dos Mortos: Material promocional do Filme. 2008. 77 f. Monografia (Bacharel em Desenho Industrial) – Instituto de Artes: Departamento de Desenho Indústrial, Universidade de Brasília, Brasília. 2008. Acessado em 29/05/2015. Disponível em: http://bdm.unb.br/bitstream/10483/140/1/2008_ClaraDantasFaria.pdf

Leia a nossa análise do VI FANTASPOA (2008), festival onde o filme foi exibido.

Leia a nossa análise do segundo filme de Tiago Belotti, A Capital dos Mortos: Mundo Morto (2015).

 

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