O quente vento do deserto do Saara. Para muitos, uma frase que não significa muita coisa, enquanto, na verdade, é o significado do nome de um dos maiores estúdios de animação do mundo, e um dos mais importantes, o Studio Ghibli. Para ser bem sincero, a palavra “Ghibli” foi um apelido dado, pelos italianos, aos aviões que sobrevoavam o deserto durante a Segunda Grande Guerra, e encaixou para o estúdio, que “iria dar um sopro na mente dos criadores de anime”. Bem, histórias…

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E a do estúdio começa em 1974. A união dos animadores Hayao Miyazaki e Isao Takahata foi o pontapé inicial de tudo. Os dois se encontravam para a produção do anime ‘Heidi’, onde Takahata dirigia e Miyazaki era o responsável por desenhar o layout detalhado de cada episódio. Com essa produção, os dois perceberam a capacidade de realizarem uma animação de alta qualidade em um prazo não tão apertado quanto o da televisão. A brilhante ideia de criarem um estúdio de animação nasceu aí. Com o objetivo de filmes cuidadosamente desenhados, e com enredo e qualidade perfeitas, Toshio Suzuki, também animador, decidiu se unir a Miyazaki e Takahata.

Estamos em 1986. Ano do nascimento de ‘Laputa: O Castelo no Céu’. Com um público de 775 mil pessoas, o primeiro filme do Studio Ghibli foi um sucesso, tanto de bilheteria quanto de crítica. O objetivo era só melhorar. Dois anos afrente, desafiaram o universo animado levando duas animações ao cinema no mesmo ano. ‘Meu Vizinho Totoro’ e ‘Túmulo dos Vagalumes’ são consideradas obras primas do estúdio, levando o personagem Totoro a se tornar o símbolo da empresa.

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Mas foram três anos para o estúdio perceber seu poder. Na estreia de ‘O Serviço de Entregas da Kiki’ (1989), mais de 2,60 milhões de pessoas foram ao cinema e se tornou o filme mais visto do Japão naquele ano, e diante o grande sucesso e reconhecimento, o estúdio precisava passar por uma reforma. Até aquele ano, funcionários não eram fixos e eram pagos por cada trabalho, e mesmo que isso fosse normal no mercado da animação japonesa, o salário começou a ficar injusto e o sucesso de ‘O Serviço de Entregas da Kiki’ ajudou na estabilidade salarial dos animadores do estúdio, além de criar a possibilidade de contratar novos animadores.

Um outro nome importante para o Studio Ghibli é o do empresário Yasuyoshi Tokuma, que se tornou o presidente do estúdio. Tokuma acreditou no potencial da empresa e deu total liberdade a Miyazaki e Takahata, que poucas vezes influenciavam nas decisões do estúdio. Essas grandes mudanças geraram um alto custo, logo compensado por ‘Only Yesterday’ (1991), animação bem recebida pela crítica e pelo público, que novamente fez um filme do Studio ser o mais visto do ano. E foi neste ano em que a política dos 3A’s (Alto Custo, Alto Risco e Alto Retorno) foi imposta por Toru Hara, o diretor executivo. Após a nova política ser imposta e o sucesso de ‘Only Yesterday’ ter sido grandioso, iniciou-se o investimento no marketing, mas sem visar o alto lucro, mas visando um salário justo aos animadores.

Já com os funcionários estabelecidos, o estúdio estava a todo vapor e com a produção de ‘Porco Rosso’ iniciada, mas o espaço físico do estúdio começou a atrapalhar. Para se ter uma noção, eram 90 pessoas em um espaço de 300m², e com isso Miyazaki teve a ideia de criar uma nova sede, ideia essa que Toru Hara não aprovou, tanto, que largou o estúdio. A vantagem é que Tokuma encorajou a ideia e bancou a obra. Assim, ‘Porco Rosso’ passou a ter apenas Miyazaki na produção, que além de produzir, também comandava a planta do novo escritório, tanto que ele foi o responsável pela arquitetura e pela construção de um modo que ficasse do jeito que ele gostaria. Em 1992, tudo estava pronto. O novo prédio no distrito de Tokyo, dessa vez com 1100m², assistiu ‘Porco Rosso’ ter a melhor bilheteria daquele ano, desbancando ‘A Bela e a Fera’, da Disney.

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A curiosidade é que ‘Porco Rosso’, filme sobre um piloto amaldiçoado a ser um porco, foi encomendado pela Japan Airlines para ser exibido em seus voos internacionais, com o foco de entreter homens de negócios. Miyazaki revelou que a produção passou por algumas dificuldades, devido a guerras ocorridas nos países próximos ao mar Adriático, onde se passa a história do filme.

O novo prédio permitiu que o estúdio se tornasse “estável”, com espaço e recursos para todos os departamentos de um estúdio de animação. Em 1993, o Studio comprou duas câmeras computadorizadas, concretizando o departamento de fotografia e não precisando depender mais de outras empresas. E este mesmo ano, foi o primeiro em que um filme do Studio não foi dirigido por Miyazaki ou Takahata. Tomomitsu Mochizuki foi o diretor de ‘Ondas do Oceano’, um especial elaborado para a televisão por animadores recém contratados que haviam feito carreira no estúdio.

sg-3Isao Takahata e Hayao Miyazaki

‘Pom Poko: A Guerra dos Guaxinins’ foi o próximo filme do estúdio, lançado em 1994 e, como de costume, tornou-se o filme mais visto daquele ano, além de ter sido o primeiro filme do Studio a usar computação gráfica. Inovação também foi trazida em 1995 com ‘Sussurros do Coração’, filme esse, que Miyazaki cuidou da produção e do roteiro. Nesse período, Miyazaki já queria treinar seus animadores, para que futuramente pudessem assumir desafios do estúdio e o diretor Yoshifumi Kondo se mostrou capaz após ‘Sussurros do Coração’.

Apesar de altas bilheterias no Japão, foi em 1997 que Miyazaki ganhou um destaque internacional. Surpreendendo o mundo com uma história madura e sincera, ‘Princesa Mononoke’ mostrou a capacidade de Miyazaki atingir o público com suas animações. Este foi outro trabalho que se aproveitou da computação gráfica, mas apenas para cobrir cenas simples, mas trabalhosas de serem feitas à mão.

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Devido ao desgaste que os animadores sofriam com as dificuldades das produções, Miyazaki anunciou que iria trabalhar apenas com roteiro e assistência, deixando mais espaço para jovens animadores. No ano de 1998, o Studio ficou abalado com a morte do animador Yoshifumi Kondo, vítima de aneurisma. Abalado, Miyazaki se afastou do estúdio e chegou a fundar a empresa Butaya e só em 1999, voltou ao Studio Ghibli. Nesse ano, o estúdio levou aos cinemas ‘Meus Vizinhos os Yamadas’, totalmente computadorizado.

E foi em 2001 que o Studio Ghibli atingiu seu estrelato. A estreia de ‘A Viagem de Chihiro’ mudou a visão do mundo para o estúdio. A animação, além de estrear em várias partes do mundo, incluindo o Brasil, ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim e o Oscar de Melhor Animação. Porém, Miyazaki anunciou que não seguiria mais a carreira de diretor no estúdio.

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‘O Reino dos Gatos’ estreou no ano seguinte, utilizando personagens de outras animações, como o gato Muta de ‘Sussurros do Coração’ (1995). Foi nesse momento que Miyazaki garantiu que não haveria sequencias de seus filmes e em 2004 aconteceu a estreia de outra grande animação, ‘O Castelo Animado’, que pela primeira vez mostrou detalhes técnicos da computação gráfica utilizada pelo Studio.

Dois anos depois, o filho de Miyazaki, Goro Miyazaki, estreou na direção e em seu primeiro filme, ‘Contos de Terramar’ (2006), causou estranheza nos fãs, incluindo o próprio pai. Tal característica garantiu inúmeros prêmios ao longa, tanto positivos quanto negativos, e recebeu críticas positivas do público japonês, apesar de críticas mistas, algo incomum para os filmes do estúdio. Em 2008, outro integrante do Studio estava indo embora, dessa vez o presidente executivo Toshio Suzuki. Porém, continuou no Studio trabalhando como produtor. Suzuki disse na época que não queria exigir dos animadores um trabalho perfeito, mas sim fazer ele mesmo com as próprias mãos, com isso, a presidência ficou com Koji Hoshino.

No mesmo ano, Hayao Miyazaki lançava mais um filme, ‘Ponyo’, que foi um resultado de anos de trabalho, onde Miyazaki desenhou a mão todas as cenas aquáticas, e o filme, sem nenhuma computação gráfica, voltou às origens de ‘Princesa Mononoke’ (1997). O projeto, inspirado em ‘A Pequena Sereia’ (1989), foi feito com paixão pelo estúdio e fez um enorme sucesso no Japão.

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2010 foi um ano de recorde para o Studio Ghibli, que lançou ‘O Mundo dos Pequeninos’ nos cinemas, sendo dirigido por Hiromasa Yonebayashi. A animação levou 7,5 milhões de pessoas ao cinema, um recorde para um longa-metragem japonês dirigido por um estreante. No mesmo ano, ‘Toy Story 3’ estreou aos cinemas com um pequeno easter egg do Studio Ghibli, com um boneco do Totoro, fazendo muitos questionaram se havia uma relação de Miyazaki com o diretor e produtor da Pixar, John Lasseter. Os dois, anos antes, já haviam se declarados amigos próximos. Eles se conheceram quando ‘Meu Vizinho Totoro’ (1988) estava sendo produzido. Lasseter também já adaptou para o inglês grandes obras do Studio, incluindo ‘Ponyo’ (2008), ‘Porco Rosso’ e ‘A Viagem de Chihiro’.

Em 2011, tivemos a volta de Goro Miyazaki na direção, com o filme ‘Kokuriko-Zaka Kara’, que não estreou no Brasil. O longa foi bem melhor recebido que seu filme de estreia em 2006. No ano de 2012, o Studio Ghibli anunciou que dois filmes iriam estrear em 2013: ‘Vidas ao Vento’ e ‘O Conto da Princesa Kaguya’. ‘Vidas ao Vento’ foi muito bem reconhecido, sendo indicado e vencendo diversos prêmios, incluindo a indicação ao Oscar de Melhor Animação, mas não venceu. Porém, a indicação levou o filme a voltar aos cinemas do Japão em 2014.

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Nesse mesmo ano, o Studio Ghibli voltou a ser falado no mundo todo, mas com uma notícia não muito boa. Uma entrevista transmitida pelo programa Jyounetsu Tairiku da rede TBS com o produtor Toshio Suzuki resultou em ondas de notícias quando o mesmo declarou o fechamento do departamento de animação do estúdio após a aposentadoria definitiva de Hayao Miyazaki. Mas as divulgações foram precipitadas, com uma falha na tradução das falas de Suzuki. “Sobre o que será do futuro do Studio Ghibli, não é absolutamente impossível manter a produção [de filmes] para sempre. No entanto, vamos dar uma breve pausa a considerar nosso rumo a partir daqui”, esclareceu o produtor.

Ainda em 2014, o estúdio conseguiu levar para a TV a série animada ‘Ronja, A Filha do Ladrão’, que levou um Emmy. ‘As Memórias de Marnie’ foi outra animação que o estúdio conseguiu lançar nos cinemas, e desde então o estúdio diminuiu seu ritmo nas produções, deixando os fãs preocupados com um possível fim definitivo do estúdio. Mas, em 2015 vieram boas novidades.

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Hayao Miyazaki divulgou que adiaria, novamente, sua aposentadoria e divulgou uma produção em 3D que será exibido no Museu do Studio Ghibli, além de anunciar a produção da animação ‘The Red Turtle’, a primeira co-produzida pelo estúdio em parceria com a distribuidora francesa Wild Bunch, com estreia prevista para 2017 nos Estados Unidos.

Conquistando o universo da animação e o público mundial, o Studio Ghibli se mostrou simples, mas grandioso ao mesmo tempo. Suas animações sensíveis e desenhadas conseguem conquistar em meio a uma onda das animações 3D. Com mensagens fortes e belas, o Studio Ghibli ainda pode apresentar um futuro mais promissor que o seu passado grandioso.

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人は、毎日のように心臓の作成魂 の何かを作成する場合 (“Quando as pessoas criam algo de todo coração a criação ganha alma”, O Reino dos Gatos)

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