A HORA DO DESESPERO | UM DESPERDÍCIO DO TALENTO DE NAOMI WATTS

A ficção – e os filmes, especificamente, estão aí para contar as melhores e piores histórias da humanidade de toda e qualquer forma imaginável. “A Hora do Desespero” escolhe uma das mais trágicas (e atuais) situações e uma forma no mínimo curiosa para contá-la, mas acaba se perdendo tanto na forma quanto no conteúdo, e o erro do conteúdo é praticamente imperdoável.

Naomi Watts é Amy Carr, uma mãe recém viúva que numa manhã como qualquer outra tenta fazer seu filho adolescente sair da cama para ir à escola. Antes de ver se o Noah (Colton Gobbo) saiu de casa ou não, Amy vai para sua corrida matinal no meio do nada (de acordo com filmes e séries isso é uma coisa muito comum para os americanos) acompanhada de seu iPhone e seu fone de ouvido. Pode parecer que eu estou fazendo uma propaganda para a Apple, mas se você decidir assistir, verá que todo o filme passa essa impressão. Filmado com uma produção minimalista durante a pandemia, o celular de Amy é quase um protagonista junto com Amy.

Assim que começamos a acompanhar os primeiros minutos da corrida, começam também os telefonemas que servem para situar o espectador a respeito da vida de Amy e de seus dois filhos, além de Noah, Amy tem também uma filha mais nova que estuda em outro colégio, mas nem chega a aparecer no filme, é apenas mencionada. Amy recebe ligações dos pais, de amigas, liga para oficina, uma atrás da outra, e se você tem horror a ligação assim como eu, só esse malabarismo que ela faz, pulando de uma ligação para outra, já é motivo para desespero.

Enquanto corria e ia ainda mais para o meio da floresta, Amy descobre (por um alerta em seu celular) que todas as escolas da região estão em lockdown por conta de uma pessoa armada. Ligando para as escolas, Amy fica sabendo que a escola de Emily (a filha mais nova) está segura, mas o atirador está na escola de Noah, então Amy liga para polícia, acompanha o jornal ao vivo em seu celular e manda Siri ligar para suas amigas na tentativa de conseguir uma carona para o centro comunitário, onde estão se reunindo os pais dos alunos, mas como seu GPS aponta, ela está longe de da saída da floresta e é obrigada a seguir correndo. Entre tropeços, Amy continua suas mil e uma ligações, inclusive conseguindo falar até mesmo com seu filho (que estava dentro da escola com o atirador) e o próprio atirador, sob pretextos bem esquisitos, com música dramática de fundo e um monte de árvore como cenário.

É muito fácil identificar onde foi que “A Hoa do Desespero” errou e também onde foi que acertou. Colocar Naomi Watts como protagonista e basicamente a única personagem foi o único acerto dessa produção, apesar de tudo, Naomi Watts ainda é Naomi Watts e não é à toa que ela já foi indicada ao Oscar, com um roteiro fraco como esse e absolutamente nenhuma ação externa acontecendo, todo o peso do filme fica em suas costas e são poucas as atrizes que conseguiriam segurar a atenção do telespectador por mais de uma hora (ela está em cena basicamente a todo segundo) como ela o fez. E de errado tem todo o resto.

O timing do filme já é ruim aqui no Brasil, considerando o massacre recente na escola do Texas que deixou mais de 15 mortos, e poderia ter sido ainda pior nos EUA se o filme já não tivesse sido lançado por lá há alguns meses. Independente de timing, o tema aqui é abordado de uma forma superficial e absolutamente dramática, sem responsabilidade e sem tomar uma posição verdadeira em relação à questão do porte de arma nos EUA, o tiroteio na escola é muito mais um plot device do que qualquer outra coisa, isso sem contar que Amy Carr ainda é retratada como um tipo de heroína por ter auxiliado a polícia, dando uma impressão estranha de que esse tipo de situação poderia ser evitada caso algum pai desesperado se esforçasse o suficiente.

Apesar de ter menos de uma hora e meia de duração, o filme consegue ser cansativo e parece ser muito mais longo e nem o desfecho de final feliz faz valer a hora perdida.

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