O crescente número de refugiados que arriscam suas vidas fugindo dos conflitos na África, tentando migrar para a Europa, nos chocam cada vez mais quando aparecem nos noticiários e redes sociais. O diretor franco-argelino Mohamed Hamidi já abordou a questão de forma dramática e descontraída, porém não menos crítica, nos transportando para a Argélia em ‘De Qualquer Lugar / Né quelque part’ de 2013. Agora em 2016, com ‘A Incrível Jornada de Jacqueline / La Vache’, ele retrata a visão de um argelino que busca realizar um sonho na França, de forma ainda mais irreverente.
Evidente que não existe nenhuma graça na condição dos refugiados africanos, em sua maioria mulçumanos, que migram para nações europeias como a França, vindo de países como a Argélia. Muitos querem se mudar em busca de condições melhores de trabalho e de qualidade de vida, outros fogem dos conflitos bélicos, agora mais constantes com o crescimento do autointitulado ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante). Porém, muitos argelinos prefeririam ficar em seus próprios países, se pudessem, mesmo que tenham uma identificação forte com a França, por sua ligação colonial e atualmente por possuírem muitos parentes que residem na República Francesa.
Abordar a questão de forma dramática seria o mais comum e não faltam obras como ‘Samba’ de 2014, ‘Dheepan’ de 2015 ou ainda em documentários como ‘Fogo no Mar / Fuocoammare de 2016’. Entretanto, utilizar a comédia é um recurso menos corriqueiro, porém não menos eficaz, para retratar essa realidade. Poder assistir um filme que te diverte e ao mesmo tempo te faz refletir sobre um determinado tema é sempre uma experiência compensadora, mesmo que não debata o tema com a seriedade que geralmente se espera. Se no momento não podemos acabar com a desgraça das guerras e a condição oprimida dos africanos, nos resta se apegar ao humor e enfrentar a realidade com alegria, para não deixar que a tristeza vença.
‘A Incrível Jornada de Jacqueline’ além de comédia é uma espécie de “road-movie”. O protagonista é Fatah (Fatsah Bouyahmed), um fazendeiro que cria com muito carinho a vaca Jacqueline e já a inscreveu várias fezes para concorrer na feira agropecuária de Paris. Após vários anos, os organizadores do evento decidiram aceitar sua inscrição e conceder um visto para que ele possa ir com seu animal para a feira. Como ele não possui dinheiro, conta com a ajuda financeira de sua comunidade para chegar à França e para economizar, decide ir de Marselha à Paris a pé. No caminho, encontra personagens como o seu cunhado, um argelino que vive na França, Hassan (Jamel Debbouze de ‘360’) e o francês Philippe (Lambert Wilson de ‘Matrix Reloaded’ e ‘Matrix Revolutions’), que o ajudam a chegar ao concurso.
Se em ‘De Qualquer Lugar’, longa-metragem que chegou a ser selecionado para o Festival de Cannes, Hamidi nos apresentava um personagem principal, filho de imigrantes, nascido na França, que tinha que redescobrir a pátria onde os pais nasceram. Em ‘A Incrível Jornada de Jacqueline’ ele nos apresenta um “turista” argelino que não tem a intenção de migrar para a França, apenas de mostrar que na sua terra, também existem aspectos que merecem ser apreciados. Se em ‘Né quelque part’, de certa forma, a própria Argélia era o tema principal a ser apreciado, em ‘La Vache’ é o ex-colonizado povo argelino, mesmo que estereotipado, que não perde sua identidade, em meio a cosmopolita e ex-colonizadora França.
O protagonista Fatah, interpretado por Bouyahmed, neste filme de 2016 é praticamente uma continuação do de 2013, que tinha o mesmo nome e já se destacava por seus trejeitos engraçados, ainda que fosse apenas um coadjuvante. Obviamente que nem tudo é perfeito, algumas piadas se tornam cansativas e ineficientes em alguns momentos, porém a maioria faz rir satisfatoriamente. No entanto, suas curtas 1h32min não deixam espaço para que o público se canse, certamente garantindo boas risadas e uma sessão muito divertida. Não é o tipo de filme que chega a um público numeroso, por causa de sua limitação de distribuição, uma pena, pois tem potencial para agradar a maioria dos espectadores. Se tecnicamente o filme não é tão desafiador, as belas paisagens da França, o ritmo do enredo e as atuações competentes, compensam os defeitos do roteiro.