A LUTA DE UMA VIDA | UMA HISTÓRIA PODEROSA E REAL DE UM SOBREVIVENTE DO HOLOCAUSTO

Filmes sobre o Holocausto são sempre dolorosos. É preciso ter cuidado tanto por parte dos envolvidos na produção quanto dos espectadores, a linha entre contar uma história e explorar uma tragédia. “A Luta de uma Vida”, dirigido pelo veterano Barry Levinson, é a história de vida de Harry Haft (Bem Foster), um judeu polonês sobrevivente de Auschwitz. A grande questão aqui não é o fato de que ele sobreviveu, mas sim como o fez: depois de bater em um dos guardas do campo de concentração para ajudar um amigo, um outro guarda chamado Schneider (Billy Magnussen) percebe o “talento” de Harry Haft e o escolhe para lutar em seu nome. Em mais um exemplo de barbárie dos nazistas, os guardas escolhiam judeus para lutarem entre si para seu “entretenimento”, quem ganhava a luta continuava para as próprias e ganhavam alguns privilégios que nem deveriam ser considerados privilégios, já os que perdiam enfrentavam a morte como consequência.

A guerra chegou ao fim, mas luta continuou – literalmente. Após deixar o campo de concentração, Harry foi para New York, onde transformou sua experiência no ringue em um tipo de profissão. O filme começo com Harry em 1949, ganhando 30 dólares por luta, é pouco, mas ele tem algum sucesso dentro das devidas proporções e é conhecido como “o orgulho da Polônia, o sobrevivente de Auschwitz”. Ele vive com seu irmão Peretz (Saro Emirze), é treinado por Pepe (John Leguizamo) e leva uma vida pacata, ainda sofrendo com os horrores que viveu nos meses em que passou como prisioneiro dos nazistas. Harry não tem grandes ambições em relação ao seu futuro, mas é movido pela esperança de que um dia reencontrará Leah, o amor de sua vida que também foi levada para um campo de concentração e de quem Harry nunca mais teve notícias.

Harry divide seu tempo entre trabalhar e ir ao centro de pessoas desaparecidas a procura de novidades sobre Leah, e é nesse centro que ele conhece Miriam Wofsoniker (Vicky Krieps), com quem ele acaba tendo um relacionamento. No entanto, notícias nunca surgem e Harry decide marcar uma luta com o mais famoso boxeador do momento, Rocky Marciano, acreditando que com isso seu nome iria parar nos jornais e Leah, se viva (e ele acredita que ela esteja), saberá que ele vive também. O preparamento para e a luta em si é o grande clímax do primeiro ato, incluindo até mesmo uma participação especial, e muito bem aproveitada, de Danny DeVito como o treinador Charley Goldman, mas está longe de ser o ponto alto do filme.

Intercalado com a década de 50, há flashbacks da vida de Harry no campo de concentração, todas filmada em Auschwitz, em preto e branco e com um Bem Foster quase 30kgs mais magro (parece CGI, mas é vida real, o ator perdeu esses quilos e semanas depois recuperou 20 deles para interpretar Harry mais velho), claramente sofrendo as consequências do confinamento. As cenas de Jaworzno são desencadeadas quando Harry passa por situações que são gatilho de seus traumas, todas clássicas (para não dizer clichê) de estresse pós-traumático e não totalmente necessárias. Sem dúvidas elas ajudam a nos sentir a gravidade das questões vividas por Harry, mas não é como se já não soubéssemos as atrocidades praticadas pelos nazistas, quase ultrapassando a linha da exploração, mas o “quase” aqui faz diferença e ainda que não fossem essenciais, não estragam a narrativa.

Nesse período, um jornalista se interessa pela história de vida de Harry. Emory Anderson (Peter Sarsgaard) quer escrever sobre Harry nos jornais, e seguindo seus planos de aparecer para Leah, ele concorda. A história, no entanto, não agrada a todos, já que é revelado que Harry lutou com outros judeus nos campos de concentração e ele passa a ser conhecido por sua comunidade como um traidor, afetando ainda mais a psique já abatida de Harry.

O elenco no geral é muito talentoso, mas por ser um filme centrado no estudo do personagem, é natural que o peso do sucesso dele recaia sobre Ben Foster, e que bom que isso acontece, porque Foster empresta suas emoções a Harry com maestria. O boxeador sobrevivente passa toda sua vida sem saber lidar com os traumas que viveu, seguindo preso numa guerra mental com ele mesmo, da qual ele nunca se libertou realmente. Tudo isso tem reflexos diretos tanto na vida quanto nas suas relações pessoais, seja com seu irmão, Miriam ou seus filhos. A culpa está sempre presente, assim como a questão da ambiguidade moral, elas são amplamente explanadas, mas nunca resolvidas. O filme não tem como intuito julgar as atitudes de Harry ou responder qualquer pergunta de sua alma atormentada, mas faz um bom trabalho ao contar sua história com uma leveza inesperada em alguns momentos e uma sensibilidade necessária na maioria deles.

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