Amor&Amizade

Atualmente, Jane Austin é considerada uma das mais prestigiadas escritoras de sua época. Infelizmente faleceu muito jovem, aos 41 anos, mas seu legado permanece vivo através de suas obras, que frequentemente são adaptadas para o cinema. Sua grande habilidade como contadora de histórias permitiu que suas fortes protagonistas femininas e seus belos romances fossem os principais alvos de cineastas interessados em fazer filmes de época, como Joe Wright e Ang Lee, em filmes como ‘Orgulho e Preconceito’ (2005) ou ‘Razão e Sensibilidade’ (1995). Mas, uma comédia sua, publicada mais de 50 anos após sua morte é quem ganha destaque este ano nos cinemas.

‘Lady Susan’, conta a conta a história de uma mulher recentemente viúva (Kate Beckinsale), que ficou com medo de ser alvo de escândalos e fofocas na cidade onde morava, por conta do seu passado “polêmico” enquanto era casada, e que pede abrigo a seu irmão para passar um tempo em Churchill, em uma casa tranquila e monótona no campo. Já arquitetando com sua amiga e correspondente Sra. Johnson (Chloe Sevigny) um novo casamento com um homem rico, Lady Susan também tenta arrumar um casamento para sua filha Frederica (Morfydd Clark), mesmo a contragosto da jovem.

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Crédito: Divulgação

A direção é de Whit Stillman – indicado ao Oscar de Melhor Roteiro no seu filme de estreia ‘Metropolitan’ (1990) – que inclusive, já havia reunido Kate e Chloe no filme ‘Os Últimos Embalos da Disco’ (1998). Logo de cara o diretor mostra que o filme não será nada entediante, mesmo se passando na Inglaterra aristocrática do fim do século XVIII, por meio de uma abertura sensacional com a descrição dos personagens, contando quem são e alguma particularidade, por exemplo, um personagem rico, mas ingênuo ou outro engraçado, porém muito falastrão. Ao fazer isso, além de adicionar um tom de comicidade ao filme, o diretor talvez esteja querendo demonstrar uma preocupação com as plateias contemporâneas, que costumam se entediar com facilidade, o que é muito bacana, pois torna o filme atrativo para um público mais abrangente.

A trama de ‘Amor e Amizade’, basicamente consiste nas fofocas e esquemas armados pelos personagens, explorando a habilidade de manipulação de uns e a ingenuidade de outros. O início do filme é um tanto verborrágico, há muitos nomes e relações entre eles, ficando um tanto difícil de acompanhar a princípio, mas é só não se preocupar que logo tudo se encaixa e os personagens terão bastante tempo na tela para mostrar quem são e suas motivações. É interessante ver que as articulações de Lady Susan nem sempre funcionam, e a forma como ela precisa contornar os obstáculos é que torna sua personagem tão atraente e fascinante, pois além de bonita, ela é envolvente e bastante inteligente também. A forma como o diretor escolhe mostrar esses obstáculos também funciona, pois ao invés de mostrar linearmente o que acontece, Stillman prefere expor como Lady Susan vai reagir ao revés ocorrido, uma estratégia que fortalece muito sua protagonista, demonstrando sua habilidade de articulação.

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Falando em personagens femininas fortes no cinema neste ano, Kate Backinsale e sua Lady Susan, precisam estar entre as principais. Embora a atriz londrina ainda seja mais conhecida pela sua beleza física impressionante, neste filme ela entrega provavelmente sua melhor atuação na carreira. Quando entra em cena, Kate atrai todos os olhares para si e desmonta completamente todos os outros personagens, que também são muito bons por sinal. Tom Bennett, como Sir James Martin é um falastrão muito engraçado. Desde a maneira como age até o tom da sua voz muito mais alto do que dos outros personagens, compõem o personagem de forma hilária, lembrando muito Ricky Gervais nos seus bons momentos. Já Xavier Samuel, parece ser o novo Colin Firth, como alguém que passa certa postura, mas ao mesmo tempo pode ser passado para trás e Chloe Sevigny, que embora sirva apenas como interlocutora para Kate, também entrega uma atuação bem aceitável, até porque suas cenas não soam como gratuitas, mas têm o objetivo de mover a trama adiante.

A trilha de Benjamin Esdraffo se encaixa perfeitamente no filme, descrevendo o período histórico, mas também criando o clima psicológico ideal para as cenas, através de instrumentos de corda e tambores. Whit Stillman não faz apenas um bom trabalho com os atores, mas também nos enquadramentos, onde usa alguns planos abertos para aproveitar o belo design de produção do filme, mas sabe fechar os planos quando preciso, priorizando a reação dos personagens. Apesar do baixo custo de produção, os figurinos de Kate e de Chloe foram preparados sob medida para as duas atrizes, e conseguem descrever muito bem as personagens. Os vestidos de Chloe são muito mais decotados do que os de Kate por exemplo, demonstrando que Chloe é americana e por consequência, mais “liberal”, enquanto Kate quer passar uma imagem mais recatada, até porque é viúva recente (mas quando contracena com alguém que quer seduzir, usa um vermelho deslumbrante).

‘Amor e Amizade’ já pode ser considerado um dos melhores filmes do ano. Uma grata surpresa, levando em conta o marketing quase nulo do filme. Como já mencionado, a direção de Stillman é excelente, o filme tem um ritmo muito gostoso, com uma hora e meia de duração, tempo mais que suficiente para se contar uma boa história. É cheio do bom e velho humor inglês, as risadas são realmente agradáveis e não aquele riso efêmero de canto da boca, que resulta da enorme quantidade de comédias pastelão que temos visto no cinema atualmente. É claro que é um filme mais restrito a admiradores de um humor mais inteligente e peculiar, e que resulta das inquietações e características dos personagens, se assemelhando a um Woody Allen, por exemplo, mas mesmo assim é altamente recomendado para todos os públicos.

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