O desejo de produzir um filme independente é o pontapé inicial de muitos jovens amantes e estudiosos da arte do cinema. Pode-se esperar de tudo, absolutamente tudo de uma produção feita fora dos moldes dos filmes tradicionais e de alto investimento. Uma filmagem desse tipo pode ser extraordinariamente boa ou incrivelmente ruim. O cinema brasileiro, obviamente, não é exceção. Produções desse tipo ganham a atenção do público por diversos fatores como, por exemplo, o enredo direto, curto e sem delongas ou diálogos extremamente cansativos que chegam até mesmo a irritar ou simplesmente gerar dúvida entre os espectadores.
O legal do cinema independente brasileiro é que se pode assistir esperando tudo e, mesmo que o filme seja ruim, todo o empenho de uma determinada equipe, o trabalho, o estudo, o intuito e até a coragem tornam aquele determinado trabalho aceitável e até louvável aos olhos críticos. É claro que, dentro desta sistemática, não se pode dizer que nem todo filme ousado é bom, assim como nem todo filme pobre de recursos é ruim. É neste meio termo em que se deve levar em consideração aquilo que muitos cineastas têm e outros não, o talento.
‘A Bruta Flor do Querer’ conta a história de Diego, um jovem de classe média com vinte e poucos anos, formado em cinema e que, desprovido de recursos para trabalhar dentro da sua área de formação, ganha a vida filmando casamentos e outros eventos, função esta que Diego não gosta de exercer, mas que lhe dá um certo dinheiro fácil. Em meio a uma vida solitária, quase sem amigos, com uma notável sorte de lances rápidos com mulheres, Diego se vê repleto de ideias para tentar coisas novas, mas de certo modo, vários outros fatores conseguem distraí-lo e impedi-lo de concretizar suas ideias, como a dependência química de drogas ilícitas e uma espécie de “paixão platônica” por uma garota que ele mal conhece, chamada Diana. Carecendo de coragem para tomar certas atitudes e correr atrás dos seus ideais, Diego acaba se interessando em escrever sobre o seu inverso. O título de sua obra é exatamente “A Bruta Flor do Querer”, em atenção aos seus desejos mais especiais que podem levá-lo a redescobrir a beleza da vida e do verdadeiro amor. Diego está sozinho, inquieto e despreparado para encarar determinados desafios.
A produção em questão tem pontos positivos, não necessariamente bons, mas que se superam em relação ao baixo orçamento. A fotografia é um desses pontos, por mais que contenha imagens coloridas desconectas, elas ficaram, pelo menos, nítidas. A montagem do filme também ficou interessante, apesar das imagens digitalizadas de um determinado casamento contido no filme que poderiam ter sido coladas em um plano a parte para que a edição não ficasse desproporcional. Outro ponto favorável é a trilha sonora utilizada que, embora simples, corresponde aos padrões dos filmes brasileiros tradicionais com o seu tom melancólico, misterioso e, às vezes, até sem conexão com a história em si, mas que se torna justificável por ser bem trabalhada. Por falar em música, a escolha de canções como “Baby” de Gal Costa e “20 Anos Blues” de Elis Regina conseguiu rechear esta história simples, tornando-a um tanto apaixonante em virtude da referida “paixão platônica” de Diego por Dianna.
Em relação às deficiências do enredo, existem fatores imperdoáveis, como os diálogos. O personagem Diego aparece drogado praticamente em 90% do filme. Até aí nada demais, se não fosse a dificuldade de dicção do ator Dida Andrade, o qual também é diretor do filme. É deveras fato de que os diálogos sintetizam as falas e expressões cotidianas como o conhecido dialogo jovem “descolado” mas, mesmo vendo uma conversa entre jovens “chapados”, onde geralmente se tem a dificuldade de se falar razoavelmente bem, os atores que estão encenando devem ter uma preparação adequada para fazer dos diálogos algo que se possa entender. Afinal, o público que assiste ao filme necessita e quer entender, de fato, o que os personagens estão dizendo.
As cenas de nudez desacerbadas e apelativas fazem lembrar a época da pornochanchada brasileira, o quê hoje se torna um exagero em atenção aos filmes atuais. O excesso de palavrões ditos pelos personagens, por mais cultural e mundano que sejam, também foi um ponto negativo do filme.
A cena final em que o personagem Diego apresenta a sua ideia para fazer um filme sobre sua vida, exatamente quando o mesmo já está “pronto” é bastante inovadora mas, de certa forma, faz ‘A Bruta Flor do Querer’ parecer um documentário, o quê não se tornou uma ideia legal. Contudo, em defesa da criatividade e da coragem dos jovens cineastas que ousaram em arriscar para fazer o filme em questão, até considerando a atenção dada ao mesmo em eventos importantes como no Festival de Gramado de 2013, esta produção retrata uma realidade vivida e sentida dentro da sociedade brasileira pelos profissionais do cinema, onde lhes falta oportunidades para exercerem seus trabalhos. É uma produção ousada e única, não necessariamente boa, mas com personalidade e conteúdo. É preferível arriscar e errar a não fazer nada por medo ou receio. Os diretores Dida Andrade e Andradina Azevedo tem o nosso sincero respeito e admiração.