“Casal Improvável” recupera espírito da comédia romântica com roteiro provocativo

Apesar de seguir muito uma linha de ser “espelho da realidade”, o cinema desfruta de suas joias atemporais, muito admiradas e classificadas como “clássicas”. No entanto, ser um reflexo da situação atual do mundo, faz o cinema demonstrar a força que tem, dentro de seus gêneros e construções narrativas. A comédia romântica, por mais que não tenha esse viés mais direto – como o terror trabalha muitas vezes, por exemplo – traz, indiretamente, uma reflexão sobre atuais convicções amorosas.

Entretanto, o gênero vem sofrendo com quedas, desde seu auge – durante os anos 90 e 2000 – com narrativas que não encontram equilíbrio nem na parte da comédia, e muito menos na parte romântica. Nisso, Casal Improvável demonstra uma agradável surpresa para a recuperação desse frescor, há tempos perdido.

Com Meu Namorado É um Zumbi (2013), Jonathan Levine ingressou na tentativa de entregar uma obra à altura do gênero, não acertando muito. Seis anos depois, por sua vez, Levine não só atingiu o objetivo, como passou a ter Casal Improvável como seu melhor longa desde sua estreia, em 2006. Muito da qualidade não se deve só ao texto provocativo com a política americana e com a situação da mulher na sociedade, mas também pela incrível – e, claro, improvável – química entre Charlize Theron e Seth Rogen.

Diferente de seu perfil comum em suas suas obras, Rogen oferece uma atuação mais comedida e até sensível, muito lembrando de seu personagem em 50/50 (2011) – também de Levine. Charlize é outra que foge do perfil costumeiro, demonstrando uma força cômica tão boa quanto a do próprio parceiro de tela.

A força cômica da atriz existe muito devido ao roteiro ácido de Dan Sterling e Liz Hannah, que encaixa perfeitamente não só com a personagem de Charlize, mas também com seu estilo de interpretação. O tom mais provocativo – característica bem presente em Vice (2018), por exemplo – lembra bastante A Entrevista (2014), texto passado de Sterling, e que também conta a presença de Rogen.

No entanto, o longa de 2014 adota muito uma linguagem mais próxima de Rogen e James Franco do que aqui. Isso porque Casal Improvável tem a primária intenção de provocar, do que, necessariamente, fazer humor. Tanto que muito do que é engraçado depende do conhecimento do espectador em relação a política americana e também a situação na qual estamos vivendo com mulheres assumindo cada vez mais posição de poder, mas ainda sofrendo o nojento preconceito.

E Sterling e Liz sabem muito bem brincar com isso e discutir assuntos poderosos em meio a uma narrativa leve e bem próxima de grandes clássicos do gênero. Esse tom sustenta o longa àqueles que não necessariamente tem o conhecimento exigido, mantendo, ainda assim, a diversão que a trama constrói.

Ao mesmo tempo, a falta de originalidade na narrativa em si é o principal defeito de Casal Improvável. Não há uma diminuição do seu potencial ou muito menos prejudica a qualidade do longa, muito pelo discurso adotado pelos dois roteiristas. Na dependência de história, o filme sofre por se aproveitar muito de uma construção comum e muito próxima de outras grandes comédias românticas.

Em partes, isso ajuda o gênero a respirar, como já citado, porém prejudica por não se tornar algo totalmente marcante quanto Um Lugar Chamado Nothing Hill (1999) e Uma Linda Mulher (1990), – inspirações claras – por exemplo. Ainda assim, Levine entrega uma deliciosa diversão reflexiva sobre a sociedade atual, – tratando da posição e força da mulher – política e relações midiáticas, misturada com uma brincadeira com o próprio gênero, apesar de adotar tons repetitivos.

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