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Futuramente, é bem possível que O Anjo sirva como um material de estudo para futuros cineastas. Não só pela forma perfeita em trabalhar a história do assassino argentino Carlos Robledo Puch, mas principalmente sobre a produção. A nova obra de Luis Ortega é uma verdadeira aula de cinema desde a concepção do roteiro até a direção de arte. O cineasta não só transporta o espectador para o belíssimo cenário setentista da Argentina – através de planos abertos – como também desenvolve diálogos bem estruturados e personagens cativantes, mesmo sendo todos controversos.

Ao tratar de uma biografia, Ortega se deleita de estruturas comuns, porém, sua direção é tão bem controlada que O Anjo aparenta ser fora do comum na técnica. Os elementos esperados de um filme cuja a história foca em um personagem histórico estão lá, mas todos são entregues de uma maneira nova e com um espírito inédito que encanta o espectador.

A própria presença de Pedro Almodóvar é clara diante a proposta estabelecida por pelo diretor e roteirista, principalmente em elementos artísticos. Diante uma história em uma Argentina acinzentada pela ditadura ainda fortalecida, todos os elementos entregam cores saturadas e fortes para o retrato do ambiente. Das roupas aos edifícios, houve um cuidado técnico impressionante para estabelecer uma verdadeira participação do espectador para com a história.

Sua câmera também ajuda muito nessa presença. A direção deixa respiros em muitos momentos, trabalhando planos longos e aproveitando o melhor do ambiente em questão, mas também de seu elenco. Ortega se aproveitou perfeitamente da juventude de Lorenzo Ferro e Chino Darín. Enquanto Chino já demonstra há tempos a qualidade do pai, este foi o primeiro trabalho de Lorenzo, e mesmo com sua imaturidade profissional, o jovem ator surpreende com uma interpretação digna, recheada de resquícios do clássico personagem Alex, de Stanley Kubrick, em Laranja Mecânica (1971) – incluindo a aparência.

O paralelo entre os dois é muito presente, essencialmente, em suas visões de mundo e como a violência é introduzida na vida de cada um. Inclusive, Ortega reforça ainda mais a visão de Kubrick com cenas paralelas, como a inicial, de uma invasão a uma casa, o toque da música clássica e dança excêntrica e perturbadora do personagem principal, além de uma referência clara a clássica cena do técnica Ludovico.

Lorenzo é o verdadeiro encanto do longa e leva o nome do filme ao extremo. A produção – mais uma vez ela – demonstra o cuidado com a história em escolher cuidadosamente com quem trabalhar. A escolha do diretor é só um resquício de ótimas escolhas realizadas, e uma delas é refletida diretamente no jovem ator, que consegue entregar uma caracterização juntamente impecável, conseguindo, só visualmente, provocar diferentes sensações nos espectadores. Mesmo cruel em suas decisões, seu perfil doce e inocente – e a beleza angelical –  trazem a essência que O Anjo precisava para seu protagonista.

No entanto, Ortega não procura amenizar as crueldades de Carlos – ou Carlitos, como era conhecido. O texto foge da romantização do assassino e não deixa brechas para admiração ou encanto por suas atrocidades, isso porque Ortega também não estabelece um motivo principal. Esse ponto é crucial para o personagem não ser baseado em uma justificativa, afinal, Carlos é mau porque é mau. E pronto. Tanto que o roteiro nem se preocupa em contextualizar de forma convencional o regime político da época. Há sim resquícios da ditadura, porém, ela não é o destaque para o espírito violento do personagem.

Chino, por mais ofuscado que acaba se tornando por Lorenzo, brilha os olhos de quem assiste. A prova está não só no amadurecimento artístico, mas também em sua presença de tela. Há momentos que o também jovem ator consegue ganhar a atenção de seu companheiro, superando o holofote angelical de Lorenzo. Muito disso se deve não só ao fato da câmera de Ortega gostar de trabalhar os dois de maneira equilibrada, mas também como sua atuação traz níveis gratificantes, conseguindo transportar a visão para ele. O elenco ainda consegue ser brilhantemente completado por Mercedes Morán, Daniel Fanego e Cecilia Roth, que reforçam suas capacidades artísticas de variações de personagens.

O Anjo atrai também com sua trilha sonora. Apesar de produções com um perfil biográfico/histórico trazerem boas utilizações musicais, o longa eleva no aproveitamento. As canções escolhidas não só trabalham perfeitamente com a ambientação e o acontecimento em si, como também se torna conflitante em momentos específicos, característica essa também muito bem trabalhada por Kubrick no já citado Laranja Mecânica. As canções, apesar de prazerosas por si só, fazem um contraponto com a ação ocorrida, como também no próprio início, quando vemos Carlitos invadindo uma propriedade ao som de um jazz dançante.

Todas essas qualidades fazem de O Anjo uma obra chamativa e que, futuramente, ganhará o merecido destaque ainda muito ofuscado por agora. As escolhas técnicas do longa não só fazem dele uma das melhores cinebiografias dos últimos anos, como também uma faísca para manter a chama do cinema argentino ainda acesa.

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