Um dos maiores mitos dos últimos dois séculos no mundo ocidental, talvez seja a constituição da democracia. Uma palavra que muitas vezes macula os interesses de grandes nações imperialistas para fazê-las impor sua economia, cultura e valores a supostos países despóticos e “incivilizados”. Em 2004, George W. Bush sustentou seu primeiro mandato na guerra ao terror, direcionando os clamores do povo assustado “pós -11 de Setembro” em solo iraquiano, embora o ataque ao World Trade Center tenha sido atribuído a Osama Bin Laden, um líder talibã afegão.
Então quais são os motivos da luta ao terror? Petróleo; hoje já sabemos, mas a agenda política da época não permitia que o plano de lucro com a “reconstrução” do país do Oriente Médio fosse impedido por uma perda na campanha de reeleição do presidente republicano, aliado de Tony Blair na maior fraude da história política deste século, a procura pelas “armas de destruição em massa” que Saddam Hussein teria em seu poder. Muitos conglomerados financeiros perderiam bilhões no retrocesso deste rumo a luta pela “liberdade”.
É aí que entra nossa história deste libelo da verdadeira liberdade; a de opinião. O filme da primeira direção de James Vanderbilt, roteirista de Zodíaco (2007) e Violação de Conduta (2003) é uma defesa do jornalismo sério e da verdade desprendida da agenda política. Baseado nos fatos vividos pela equipe investigativa do 60 Minutes, o mais prestigiado programa jornalístico da rede CBS de TV, acompanhamos o drama que foi vivido por Mary Mapes (Kate Blanchett), a produtora que defende a fidelidade de sua fonte, um militar reformado (Stacy Keach) que alegou ter comprovações da manipulação documental e os privilégios cedidos a Bush filho em seu período na Guarda Nacional.
Uma informação que aparentemente só serviria para dar vantagem eleitoral a seu concorrente democrata John Kerry depois de divulgada. O que acontece é uma verdadeira guerra burocrática e política para desvalorizar a veracidade dos documentos e de sua equipe de jornalistas, pois seria o ponta pé para encontrar uma rede de ligações de favores que implicaria até mesmo a própria CBS em lobbys favoráveis aos investidores da campanha de guerra.
Este é mais um filme da tradição de bons roteiros investigativos, mas a direção de Vanderbilt tem certas vantagens em relação ao ganhador do Oscar, ‘Spotlight’ no quesito fluidez e humor, que é uma receita para contrabalançar os diálogos incessantes que tornam o filme uma massa gigantesca de informação, mas nunca fica cansativo ou pedante.
O diretor conhece bem os meandros da política e da burguesia privilegiada, pois vêm de um berço tradicionalíssimo de Nova Iorque, o clã multibilionário dos Vanderbilt, existente desde o século XVII entre as grandes famílias de imigrantes que ascenderam ao poder na “América”. Isto só deixa sua direção e roteiro mais preciso e relevante, numa época em que nós mesmos, brasileiros, vemos o preço sofrido pela população manipulada por uma mídia tendenciosa e totalmente favorável ao poder financeiro e político para mudar a história. O jornalismo deve ser imparcial.
Este é o dilema da personagem de Blanchett, uma liberal feminista, espancada pelo pai na infância por seu hábito de questionar sua autoridade. Algo que transportou para sua vida profissional, mas agora a figura paterna é do Estado, e todas suas armas burocráticas. Uma grande metáfora. Blanchett está perfeita, assim como Redford em plena forma dramática aos 79 anos como o âncora Dan Rather, uma instituição em forma de homem no programa.
Este é um daqueles filmes que talvez passe despercebido, mas que diz muito sobre o mundo que vivemos. Um mundo de faz-de-conta onde o poder continua sendo o poder, apesar da democracia ser sempre a desculpa para cometer atrocidades. Vale a pena conferir.