O Décimo Homem

Daniel Burman é um dos representantes do que alguns críticos e jornalistas especializados em cinema denominam de “Novo Cinema Argentino”, juntamente com outros cineastas igualmente talentosos como Lucrecia Martel, Lucía Puenzo, Marcelo Piñeyro, Pablo Trapero, entre outros. Burmam já foi comparado a diretores como Woddy Allen e Federico Fellini, por causa de suas narrativas que quase sempre envolvem conflitos existenciais e familiares, em alguns deles entre diferentes gerações de personagens de comunidades judaicas. Seus filmes já foram premiados em festivais como o de Buenos Aires, San Sebastián e Berlim, onde já foram agraciados com o Urso de Prata, e indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.

Dentre a nova safra de excelentes longas-metragens que o cinema argentino vem produzindo nos últimos anos, muitos são de Daniel Burman. Desde sua “trilogia” em que aborda a busca da identidade como temática comum, composta por ‘Esperando o Messias’ de 2000, ‘O Abraço Partido’ de 2004 e ‘As Leis de Família’ de 2006, em parceria com o ator uruguaio Daniel Hendler, que atuou em outros longas do diretor, além destes. Até mesmo filmes mais recentes seus, coproduzidos em parceria com produtoras brasileiras, como ‘A Sorte em Suas Mãos’ de 2012 e ‘O Mistério da Felicidade’ de 2014. Os primeiros longas citados dele, são dramas de uma sensibilidade tocante, e os dois mais recentes podem até ser subestimados por se tratarem de “romances tragicômicos”, mas que se comparados a maioria das produções nacionais e hollywoodianas do gênero, acabam se sobressaindo em qualidade narrativa, e todos se destacam por um roteiro bem escrito.

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Em ‘O Décimo Homem’/’El Rey del Once’ (no original), o diretor portenho retoma a temática de seus primeiros filmes, de forma mais microscópica, abordando as relações familiares e costumes judaicos, que geram muitos conflitos de geração entre pais e filhos. Já na primeira cena vemos o personagem principal Ariel (Alan Sabbagh), através de um “vídeo caseiro simulado”, quando era apenas uma criança, com dificuldades de entender por que o pai parecia dar mais atenção aos costumes religiosos, do que para o próprio filho. Introdução esta que tem o poder de nos inserir naquele universo doméstico, pessoal e infantil, de forma muito eficaz, capaz de fazer com que lembremos da nossa própria infância, quando não entendíamos algumas atitudes de nossos parentes. Logo após, vemos um Ariel já adulto, retornando de Nova York, onde se tornou um bem-sucedido economista, para seu antigo bairro na Argentina, onde pretende reencontrar o pai e reatar os laços familiares.

Ainda que o longa tenha apenas 1h 21min, conforme a narrativa se desenvolve e os dias passam, aumentam a ansiedade e o desconforto do filho (e por tabela as do espectador), por que o pai vai delegando, apenas por telefone, uma tarefa atrás da outra para Ariel, antes que eles se encontrem. Os pedidos vão desde servir de motorista para alguns funcionários da organização de caridade do pai, que é famoso em sua comunidade por causa dela, até ter que providenciar comida para uma festividade que a instituição está organizando. E o personagem interpretado por Sabbagh, cada vez mais anseia por um encontro de “acerto de contas sentimentais”, que vai irritantemente sempre sendo adiado.

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É nesse tipo de simplicidade de enredo que mora a genialidade narrativa, presente nos recentes filmes argentinos, influenciados pelos melhores clássicos europeus, que sabem que menos pode ser mais. Ariel parece pensar o tempo todo que precisa de uma conversa, cara a cara, para entender a figura paterna, por quem nutre mágoas desde a infância, por considerá-lo um pai negligente. Porém, se ele acha que esse será o seu destino final na relação pai e filho, almejando um ponto de chegada onde crê que haverá compreensão, aos poucos ele vai se dando conta, que é durante a sua jornada que estão as respostas para o que procura. É realizando as tarefas, que seu pai fez durante toda a vida, que não o deixavam com muito tempo de sobra para o próprio filho, que ele passa a entendê-lo, apreciá-lo e compreender por que as pessoas ao redor gostam tanto do seu antepassado. No fim, ele encontra um pai que ignorava até então, mesmo antes que consiga velo pessoalmente, entende como ele sempre esteve presente, mesmo que não estivesse perto fisicamente.

Ainda que o longa não tenha nem uma hora e meia de duração, o diretor não tem pressa. Filma tudo com a calma segura de quem sabe a história que quer contar, de quem entende que precisa de apenas um recorte repleto de significado. O próprio espectador, se tiver a sensibilidade necessária, vai encontrar um exemplo de que uma obra cinematográfica, para ser boa, não precisa de tomadas de câmera extensas, apenas de cenas de qualidade significativa. Não é a extensão do filme que conta, mas sim a capacidade de comunicar e emocionar, uma pena que provavelmente exista uma parcela muito pequena de espectadores que compreendam isso.

A simplicidade se sobressai, também, nas composições triviais, porém muito expressivas das cenas e nas escolhas de cenários e objetos, como pequenos estabelecimentos comerciais e carros velhos remendados. O protagonista desembarca do rico país norte-americano, para a economicamente abalada nação sul-americana. Pode-se encontrar aí uma comparação metalinguística, entre o financeiramente rico cinema hollywoodiano, e o apenas “pobre de dinheiro” cinema argentino. O primeiro que sofre cada vez mais uma crise de criatividade, tendo até que refilmar sucessos da Argentina como (‘O Segredo dos Seus Olhos’ de 2009 / ‘Os Olhos da Justiça’ de 2015). O segundo, que conta com um financiamento menor até que de alguns filmes independentes lançados no excelente estadunidense Festival de Sundance, não perde em nada na capacidade criativa de ótimos e originais longas-metragens a cada ano que passa.

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