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A obra de Nelson Rodrigues sempre foi fundamental  para o teatro brasileiro por transformar dramas humanos do cotidiano em clássicos, mas algumas obras que em sua maioria foram escritas nos 50 e 60, seguem atuais. O Beijo no Asfalto é uma delas.

Escrita e encenada nos palcos em 1960, ela aborda um tema que nunca deixou de estar em evidência, mas que ganhou um novo fôlego com as redes sociais e velocidade da informação – e até um nome em inglês: as Fake News. A história  do bancário Arandir, que ao testemunhar um atropelamento de um homem, é surpreendido pelo insólito pedido da vítima. Ela desejava ter um último beijo antes de morrer.

A cena testemunhada por centenas de pessoas em plena hora do rush no Centro do Rio foi flagrada por fotógrafos e estampou as capas dos jornais sensacionalistas. E a vida e o casamento de Arandir  acabam afetados diretamente pelas consequências do ato de compaixão com o homem que compadecia em seus braços.

Provocadora, a obra de Nelson coloca o dedo na ferida da “família tradicional“ e traz o questionamento a temas importantes, como as relações humanas e suas perversões.

Em seu filme de estreia como diretor, Murilo Benício presta não só uma homenagem ao teatro como aos atores no seu filme, que funciona como uma espécie de docudrama, que mistura as atuações com os bastidores da leitura do texto com o elenco. Incluindo Fernanda Montenegro, que estrelou a primeira montagem da peça.

O filme que já passou por duas versões no cinema – uma em 64 e outra em 81 – ganha nessa versão um tom de homenagem, sem nenhuma preocupação com locação externa e efeitos especiais ou uma tentativa de se adequar aos tempos atuais por perceber que trata de um tema atual.

Principalmente sobre como a visão, interpretação e julgamentos de terceiros podem influenciar na vida de alguém. Como no caso de Arandir, que passa a ser perseguido pela polícia e pela imprensa por ser acusado de ter um caso com a vítima ao mesmo tempo que sua esposa é exposta aos questionamentos sobre a sexualidade, até então exemplar.

Em tempos onde “se está na internet é verdade” – quando lhe convém – ou se é Fake News o papel da ética no jornalismo e nas relações humanas nunca saiu de moda com o passar os anos. A responsabilidade da informação em tempo de oferta excessiva e exposição saturada é cada vez maior.

Um capítulo a parte é a fotografia de Walter Carvalho que como um artista numa tela em branco, pinta frames lindíssimos que preenchem ainda mais a tela com atuações precisas de Stênio Garcia, Débora Falabella e Lázaro Ramos.

O vasto acervo de Nelson Rodrigues se faz ainda mais necessário de ser lembrado no meio audiovisual, em tempos onde a hipocrisia se fecha em valores ou dogmas religiosos na mesma forma como no auge das crônicas do jornalista sobre a vida como ela é.

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