SINOPSE PEQUENA

Um dos diretores mais cultuados em atividade, David Fincher tem como característica marcante ser um grande “contador de histórias” no cinema. Esta característica, entretanto, foi sendo aperfeiçoada com o tempo. Se pegarmos seus quatro últimos filmes antes de Garota Exemplar – Zodíaco (2007), O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), A Rede Social (2010) e Os Homens que Não Amavam as Mulheres (2011) – a média de duração deles gira em torno de 2 horas e meia, o que está um pouco além dos padrões de Hollywood, mas graças a sua habilidade de conseguir impor ritmo às suas narrativas, durante o filme o espectador fica aquela sensação de “não ver” a hora passar.
Garota Exemplar é um romance best-seller de muito sucesso mundialmente, escrito por Gillian Flynn. Mas não se enganem com as aparências. Não é uma história de amor. A obra explora os altos e baixos de um relacionamento: a natural queda do romance com o passar do tempo, a falta de comunicação entre o casal, o comodismo, a intimidade, as diferentes compreensões do casal sobre o que é um casamento, enfim, utilizando um eufemismo descarado, a inevitável perda da “magia” de um novo amor.

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E todo este provocador e interessante material chegou a 20th Century Fox e caiu nas mãos do diretor certo para o trabalho. Ben Affleck – que interpreta o marido Nick Dunne – chegou a adiar um filme que ia dirigir apenas para poder trabalhar com Fincher neste projeto. Mas o ator/diretor não sabia que foi chamado para o papel por Fincher após o diretor ter visto na internet uma foto de Ben dando um sutil sorriso. Fincher colocou na cabeça que Ben seria o ator perfeito para o papel, e sinceramente, após ver o filme, eu não imagino outra pessoa no papel de Nick Dunne. Vale ressaltar também que quem adquiriu os direitos de filmagem do livro foi a atriz/produtora Reese Witherspoon, que inclusive tinha intenção de protagonizar o filme, mas após uma conversa com Fincher, ela mesmo percebeu que não era a pessoa certa para o papel. Dá para imaginar Garota Exemplar sem a indicada ao Oscar Rosamund Pike como Amy?

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Mestre na arte de surpreender o espectador – vide Seven (1995), Vidas em Jogo (1997) e Clube da Luta (1999) – David Fincher transforma, através da sua visão, este drama em um thriller sombrio e arriscado. Ao invés de lidar apenas com questões éticas e morais (que também estão presentes, diga-se de passagem), o diretor coloca, espectador e personagens, frente a frente com a emoção mais básica: o medo. É claro que nós, do outro lado da tela, nos sentimos seguros e protegidos. Mas a inteligente edição, com flashbacks dos tempos felizes e apaixonados fazendo um paradoxo com a angústia e o clima de tragédia dos dias subseqüentes ao desaparecimento de Amy, nos coloca em desvantagem, pois de certo modo sabemos que, um dos dois (ou ambos) é culpado e está escondendo alguma coisa.

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Grande ícone do suspense, Alfred Hitchcock disse uma vez: “Não há terror num tiro ou num golpe, mas na antecipação de um tiro ou de um golpe”. Uma dica aparentemente simples, mas que colocada corretamente em prática faz toda a diferença. Garota Exemplar começa lento, mas não didático. Ponto para Fincher, que tenta provocar aos poucos, simpatia (ou antipatia, depende de cada um) com o protagonista. Quando você se identifica com o sofredor, você passa a sentir o mesmo que ele. Então você se revolta junto com ele, se vê na mesma situação, começa a sentir, mesmo que inconscientemente, o medo de perder algo realmente importante, seja sua querida esposa ou sua liberdade, por exemplo. No caso da antipatia, as emoções também são afloradas, só que desta vez, com o prazer ao ver o sofrimento alheio. Um thriller de sucesso é aquele que desperta suas emoções, que te faz deduzir, torcer, roer unhas, etc. Garota Exemplar tem tudo isso e muito mais.

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Cabe ressaltar aqui também a crítica ao tratamento policial e a cobertura sensacionalista da mídia nestes casos mais obscuros e incompreensíveis. Imagino que não é novidade para ninguém que a luta pela audiência a qualquer custo já é uma infeliz realidade na televisão brasileira e certamente em outros países. Junta-se a curiosidade do ser humano pela vida alheia com a demanda em querer informações em tempo real e cada vez de forma mais chocante e visceral e pronto, as emissoras sabem que terão audiência garantida com seus espetáculos de “Vaudeville” (os chamados circos de horrores que serviam de entretenimento para a população do início do século XX) modernos. Quanto à polícia, percebemos uma certa predisposição em apontar um culpado e resolver o caso sem analisar 100 por cento da situação, algo muito grave em um estado com pena de morte, como é o caso do Missouri. Cada detalhe é importante e deve ser questionado. Sócrates fazia muito isso e cinematograficamente não há exemplo melhor que a obra-prima de Sidney Lumet 12 Homens e Uma Sentença (1958).

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Confesso que fiquei muito surpreso pela Academia ter indicado Garota Exemplar a apenas um Oscar, o de Melhor Atriz. Não seria um absurdo indicações de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Adaptado e Trilha Sonora, no mínimo. Mas isto não tira o brilho da obra. Garota Exemplar é um dos melhores suspenses dos últimos 15 ou 20 anos, sem exagero. Conta com atuações na medida certa e um trabalho técnico impecável, embora tenha algumas falhas que podem ser discutidas e interpretadas de várias formas. Sem dúvidas um dos melhores filmes de 2014 e peça fundamental na coleção de qualquer pessoa que ame o cinema e o turbilhão de emoções que ele pode provocar.

Trailer do filme:

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