A residência oficial de um presidente de um país é um lugar que combina poder e imponência, além de ser recheado de mistérios. Por questões óbvias de segurança o acesso é muito restrito e isso alimenta ainda mais a curiosidade sobre o dia a dia do lugar. O Palácio da Alvorada inaugurado em 1958, pelo então presidente Juscelino Kubitschek, passou a ser a casa dos 17 últimos comandantes do Brasil.
Após uma série de protestos iniciados em 2013 e um ambiente econômico e político desfavorável, desde a reeleição em 2014, criou-se o cenário do impeachment da presidente Dilma Rousseff, a primeira mulher a ocupar o cargo em mais de 100 anos de república, em 2016.
O documentário “Alvorada” da diretora Anna Muylaert acompanha um registro histórico da ex-presidente de forma bem observativa dos bastidores dos dias entre a aprovação na câmara dos deputados e o julgamento final do impeachment no Senado que culminaram com o afastamento dela do comando do país. Esse é o terceiro longa que se debruça por esse momento chave da política brasileira. Recentemente “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa e “O Processo” de Maria Augusta Ramos acompanharam esse mesmo fato com abordagens diferentes.
A diretora Anna Muylaert premiada por “Que horas ela volta?” interfere pouco para colocar a câmera no cotidiano do Alvorada em momentos tão tensos para a Presidente da República. Os planos gerais além de mostrar a dimensão do local mostram em alguns momentos a pressão que é estar num lugar onde nunca se está só.
Os quase 90 dias de observação condensados em pouco mais de 80 minutos de filme mostram Dilma apreensiva e firme recebendo apoiadores e montando sua defesa para o julgamento no Senado Federal. Um episódio histórico marcado pela polarização e misoginia surpreende por mostrar uma personagem humana, real e extremamente forte que mesmo vivendo os dias mais difíceis de sua carreira política se mantinha de pulso firme, como em uma reunião com o ex-ministro Aloizio Mercadante onde ela pede para que não se coloque dados na sua defesa que eram considerados imprecisos. “Eu estou aqui. Não deixo.” Sentencia ela de forma assertiva.
Mesmo sendo um registro de 5 anos atrás, o longa traz uma reflexão importante sobre a mulher na vida política do Brasil e como o espaço feminino se perdeu nas decisões do país desde que uma mulher foi retirada do cargo mais importante do país tendo em vista que na CPI mais importante no senado atualmente não se conseguiu ter nenhuma na mesa diretora e ainda foi necessária uma mobilização das parlamentares para manterem seu lugar de fala na comissão. Isso sem falar na falta de espaços e cargos para mulheres na esfera ministerial e de protagonismo do governo federal.
Independente da construção ideológica ou partidária do espectador, o filme traz uma visão interessante quase que como um reality show mostrando o dia a dia de reuniões políticas e apoio a Dilma durante os dias mais difíceis do fim do mandato e de funcionamento do palácio que não é apenas um local de repouso do governante e sim um lugar que esteve diretamente ligado as principais tomadas de decisão do país nos últimos 50 anos.
Se a residência oficial da presidência da república ganhou este nome do ex- presidente Juscelino Kubitschek pela expectativa de ser a alvorada de novos dias para o rumo do país, a gente só espera que em algum dia essa profecia se cumpra.
“ALVORADA”, dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, estreia simultaneamente nos cinemas e nas plataformas de streaming (Now, Oi e Vivo PlaY) dia 27 de maio.