A morte é algo a se temer? Este é um questionamento bastante comum entre uma imensidade de pessoas. Ainda que a morte seja uma certeza para todos, ela é constantemente acompanhada de dúvidas, questionamentos e incertezas: o medo do desconhecido. Muitas vezes, entretanto, o que mais assusta é aquilo que conhecemos – ou julgamos conhecer.
Em um contexto em que a pandemia de covid-19 ainda demarca não só as relações sociais, mas também o subconsciente de milhões de pessoas que ainda temem a doença, o filme A Última Noite se prepara para refletir um pouco mais sobre a relação entre o medo e a morte na sociedade.
Dirigido por Camille Griffin, o longa-metragem conta a história de um grupo de amigos e familiares que se reúnem para um jantar especial, visto que todos sabem que estão prestes a morrer. Resumidamente, na trama, um vírus letal está se espalhando pelo mundo em proporções absurdas, e o próprio governo faz campanha para que as pessoas se suicidem antes que sejam pegas pelo vírus que, no conhecimento de todos, proporciona uma morte lenta e agonizante.
A trama do filme vai se desenrolando pouco a pouco, proporcionando cada vez mais tensão conforme o público conhece cada membro daquele grande grupo de pessoas da alta sociedade. Em alguns momentos, os diferentes personagens são retratados com uma significativa proximidade com o que normalmente conhecemos: pais e mães que amam seus filhos mais do que tudo e casais que se sobressaem dos padrões impostos; em outros, são retratados como algo um pouco além, como a elite que olha para os demais com tamanho desinteresse. Uma coisa, entretanto, é certa: todos ali temem as incertezas do futuro, e temem muito.
A partir disso, o filme proporciona uma discussão moral empolgante, fazendo o espectador se revirar moralmente enquanto se questiona qual dos lados apoiaria. Enquanto dois personagens batalham pelo direito à tentativa de sobreviver, o restante do grupo crê ter a resposta definitiva: devemos matar as crianças e a nós mesmos para evitar o sofrimento.
O que mais surpreende no filme, entretanto, são as atuações. Não só Roman Griffin Davis – nomeado ao Globo de Ouro por seu excepcional papel como Jojo Rabbit – entregou uma atuação brilhante e poderosa como o primogênito da família principal do longa, mas grande parte do elenco presenteia o público com atuações de peso, que ajudam a manter a tal tensão, que se prova uma ferramenta necessária para fazer a obra funcionar como um todo.
Tal tensão é acompanhada de uma tentativa de humor ácido que funciona vez ou outra, principalmente quando se trata dos diálogos que envolvem as crianças da casa, mas o resultado final acaba não atingindo seu total potencial cômico. Em vez disso, a obra se consolida como um suspense com boas tiradas cômicas pontuais, mas que se prevalece com um clima de desconforto e mal-estar durante toda a noite, não só entre os membros do jantar, mas também entre os personagens e os espectadores.
Dessa forma, tanto o roteiro quanto a direção guiam as diferentes histórias que coexistem no jantar de forma sutil. Tirando os protagonistas, é possível notar que os demais personagens ficam meio apagados e acabam sendo não tão aprofundados quanto poderiam ser.
O casal LGBT, interpretado por Lucy Punch e Kirby Howell-Baptiste, por exemplo, se destaquem com uma situação temerosa e desesperadora no último ato, mas durante o começo e meio do filme ficam meio apagadas e perdidas em tela. Algo semelhante acontece casal interpretado por Lily-Rose Depp e Sope Dirisu, que tem uma grande importância no desenvolvimento do longa, mas não são bem desenvolvidos como casal ao longo da história.
Em determinadas perspectivas, é possível ver que A Última Noite tenta atingir a profundidade reflexiva de “Melancolia”, filme de Lars von Trier, mas de uma forma menos lenta e contemplativa. Ainda que não atinja a tamanha qualidade da obra referencial, se mostra um bom filme, e traz a discussão proposta com ainda mais determinação e clareza do que a obra de 2011.
Um dos pontos mais marcantes do longa-metragem, entretanto, fica em sua catarse, que foi desenvolvida – quase que perfeitamente – em conjunto entre o personagem de Griffin Davis e sua família cênica. Com uma ótima reviravolta, todos os sentimentos trabalhados ao longo do filme se chocam de uma só vez, levando toda a discussão proposta até então para outros níveis.
A Última Noite, portanto, tem seus erros evidenciados ao decorrer da narrativa calma e que beira o lento – mas sem chegar a ser entediante. Aqueles que derem uma chance para o filme e forem até o fim, entretanto, terão uma grata surpresa e serão ainda mais incentivas a se questionar qual seria seu papel naquele jantar: você preferiria morrer, ou arriscar a chance de um futuro agonizante? Mas, afinal, essa já não é uma discussão presente hoje em dia?