AMSTERDAM | ELENCO DE PRIMEIRA LINHA NÃO SALVA FILME QUE TENTA SER MUITOS EM UM SÓ

Um dos meus tipos preferidos de filme são aqueles com diversas tramas e personagens paralelos, que no final acabam se encontrando para um clímax em comum. Em “Amsterdam”, o novo filme de suspense/comédia do problemático David O. Russell, os personagens são numerosos e interpretados por um time de verdadeiras estrelas, com suas próprias tramas (ou porções delas) com um objetivo em comum: contar uma história esquecida sobre um momento breve, mas real, da história norte-americana chamado Business Plot (Complô dos Empresários), um golpe de governo planejado por empresários americanos baseado no início do movimento nazista alemão. É um evento ocorrido na década de 30, com poucos registros e Russell usa dessa brecha de informações concretas para criar sua própria versão dos acontecimentos, que no final das contas tem bem pouca relação com qualquer acontecimento existente, tanto que a mensagem inicial de que “muito coisas desse filme realmente aconteceram” é praticamente uma inverdade.

Não é realmente um problema que uma fração de um acontecimento histórico sirva como faísca para uma nova e criativa história, o problema com “Amsterdam” é se perder nessas possibilidades em aberto para criar, dentro do próprio longa, pequenos filmes que não se encaixam tão bem quanto deveriam. A unidade do filme se dá em sua forma, nos aspectos técnicos visuais e na energia geral que está sempre lá em cima, “Amsterdam” não tem repousos, do começo ao fim, mas essa energia em vez de ser instigante, se torna caótica na maioria das vezes.

Os personagens centrais da história são Burt Berendsen (Christian Bale), Harold Woodman (John David Washington) e Valerie Voze (Margot Robbie). Burt e Harold se conheceram enquanto serviam na Europa durante a Primeira Grande Guerra, Burt se alistou para satisfazer as vontades de seus sogros ricos e influentes e lá conheceu o soldado Harold que virou seu amigo para vida, ambos se acidentaram em combate (Burt perdeu um olho) e durante a recuperação eles conheceram a excêntrica e cheia de vida enfermeira Valerie, com quem eles estabelecem uma amizade imediatamente e os três vivem os melhores anos de sua vida nas ruas de Amsterdam. Os três são personagens totalmente fantasiosos, tanto de forma positiva como de forma negativa, eles rendem momentos divertidos, principalmente Valerie e até mesmo algumas boas risadas (as cenas de apresentação de Burt é especialmente engraçada), no entanto, por serem tão obviamente inventados, lhes falta humanidade suficiente para causar empatia e um senso de representação, até mesmo o relacionamento entre Valerie e Harold não traz muita química e o próprio Harold acaba destoando do grupo por se tratar de um personagem mais sóbrio.

Anos depois, já em Nova York, Harold (agora um advogado) e Burt (um cirurgião plástico) concordam em investigar a morte do general que os apresentou e falecera de forma suspeita o suficiente para que sua filha (Taylor Swift) contratasse a dupla, mas eles acabam sendo incriminados no processo e se tornam os principais suspeitos, é aí que se reúnem com Valerie novamente, numa trama que se estende e enrola cada vez mais.

Antes de Nova York, a história já era ampla e com um número expressivo de personagens, mas isso só se amplifica depois do reencontro do trio e a sensação que temos é que um novo, e cada vez mais caricato, personagem surge a cada cena. Eles não são personagens desinteressantes, são todos interpretados por atores extremamente qualificados e conhecidos, como Zoe Saldana, Rami Malik, Chris Rock, Mike Myers, Anya Taylor-Joy e muitos outros, chegando até mesmo à uma participação de Robert De Niro, um colaborar já costumeiro de David O. Russell, mas são tantos talentos e tantos personagens, além de todas as situações bizarras (ainda que por vezes divertidas), que o enredo transborda o filme e nos impede de focar em uma trama específica.

De baixo de toda a bagunça e nós de “Amsterdam”, é possível entender que a mensagem principal que Russell deseja passar através de seus personagens é a de que, independente dos percalços, o que deve prevalecer sempre é a bondade e os atos de gentileza, o que realmente ressoa, apesar das superficialidades que se sobressaem vez outra. Talvez o principal empecilho do filme seja sua ambição de ser tudo e falar sobre tudo sem uma real intenção de ser algo concreto. Podemos identificar começos de histórias muito bons e personagens e subtramas com potencial, mas eles acabam ofuscados por certos caprichos do diretor.

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