Queer
Director
Luca Guadagnino
Genre
Drama
Cast
Daniel Craig, Drew Starkey, Jason Schwartzman
Writer
Justin Kuritzkes
Company
A24
Runtime
136 minutos
Release date
12 de dezembro de 2024
São poucos os diretores que conseguem emplacar mais de uma grande produção no mesmo ano. Luca Guadagnino, que tem sido prolífico nos últimos tempos, alcançou esse feito. Ele foi responsável por um dos maiores lançamentos do ano (e um dos meus preferidos), o sensual e envolvente Rivais e agora lança um filme que já vem fazendo barulho há um tempo, principalmente por trazer Daniel Craig no papel de um homem gay e cenas mais “adultas”. Essas cenas, inclusive, são sempre o tópico mais comentado quando o assunto é “Queer”, mais novo filme de Guadagnino baseado no livro homônimo inacabado do escritor William S. Burroughs. É claro que cenas como essa chamam atenção, ainda mais envolvendo um ator cuja imagem construída durante maior parte de sua carreira é a de “macho alfa”, mas essa é uma parte relativamente pequena da trama, que se aprofunda muito mais com momentos de intimidade menos intensos, mas igualmente significativos e tem em seu cerne a solidão e a procura pela sua própria essência.
Luca Guadagnino é um diretor de muitas faces e, apesar da temática comum de trabalhos anteriores, “Queer” ainda é um filme completamente diferente dos demais em todos os aspectos da direção. Ambientado num México da década de 50, mesmo período em que o livro semi-biográfico foi escrito, uma das primeiras coisas que se destaca é a trilha mais contemporânea – em uma cena inicial, William Lee (Daniel Craig) anda pelas ruas mexicanas ao som de Nirvana, o rock contrastando com o cenário bucólico e por vezes claustrofóbico, mas ainda belo. As diferenças, porém, vão muito além da trilha. Esse é o filme mais experimental de Guadagnino, que aproveita o vício em drogas do protagonista para produzir imagens mais lúdicas e abstratas, misturando sonhos, misticismo e realidade em montagem com jogo de luz, fantasia e cores. Carregado no simbolismo, nem sempre os símbolos se fazem compreensíveis, o que nos afasta da experiência dos personagens em alguns momentos.
Dizer que Daniel Craig é a grande estrela e força motriz do filme é um eufemismo. “Queer” funciona muito por conta da entrega do ator que aproveita a oportunidade para se despir da imagem de galã existente na maior parte do público. Essa desconstrução aparece logo no começo, primeiro vemos William andando sozinho e ele passa a impressão de ser um homem forte, desenvolto e independente, mas assim que o vemos interagir com outro homem, um interesse dele, essa imagem vai por água abaixo e dá lugar à uma pessoa sem traquejo, insegura, se valendo do álcool para fugir do desconforto de estar em sua própria pele. Passamos a conhecer William mais afundo a partir de seu encontro com o jovem Eugene Allerton (Drew Starkey), estoico e misterioso do começo ao fim, nunca conseguimos nos aproximar realmente ou entender suas motivações – e o mesmo acontece para William. Apesar da falta de clareza em relação aos sentimentos que envolvem os dois homens, eles começam a passar tempo juntos até que passam a dormir juntos e o vício de William em bebidas e drogas, principalmente heroína, se estende para incluir também um vício em Eugene Allerton.
O filme é dividido em capítulos e se encerra com um epílogo, mas a trama é bem dividida entre o tempo de Eugene e William no México e sua viagem para a América do Sul, onde já fica evidente que Eugene não partilha do mesmo sentimento de William e passa a oferecer sua companhia como moeda de troca – e William aceita de qualquer forma. A viagem para a América do Sul é planejada pelo escritor, que tem como objetivo encontrar yagé, uma planta com efeitos psicodélicos também conhecida como ayahuasca, que ele ouvira dizer que poderia facilitar a telepatia – o maior interesse de William. As drogas, para ele, são sinônimo de fuga, de espelho, mas também de autoconhecimento. O que o filme nos mostra, a todo tempo, é a solidão de William e seu desespero para encontrar uma conexão, seja ela por telepatia, seja ela pelo toque físico. É uma história extremamente pessoal e que encontra e transparece sua sensibilidade no modo como Daniel Craig é capaz de dizer tudo sem precisar de muitas palavras, mas para além de sua atuação, algumas vezes as escolhas estilísticas nos distraem e também somos impedidos de criar uma conexão com William, perdendo sua potência.
Por Júlia Rezende