Desde o grande sucesso do primeiro filme em 2002, a franquia ‘A Era do Gelo’ se tornou uma das animações mais queridas pelo público ao redor do mundo. De lá para cá foram cinco filmes (já contando com o deste ano) e a forma como a franquia foi tratada pelos produtores, foi como uma espécie de herança passada de mãos em mãos. Os três primeiros filmes, ou tiveram a direção, ou a codireção do brasileiro Carlos Saldanha. A partir do terceiro, Mike Thurmeier entrou para codirigir e também conhecer melhor a franquia e os personagens. Neste quinto filme da série, intitulado de ‘A Era do Gelo: o Big Bang’, ele completa a parceria com Galen T. Chu, experiente no ramo da animação de vários outros filmes populares, como ‘Robôs’ (2005) e ‘Rio’ (2011).
Nesse novo filme da franquia, basicamente acontecem duas tramas curiosamente paralelas. Enquanto Scrat está no espaço na sua eterna busca por sua tão querida noz, Manny, Sid, Diego e o restante da turma estão todos vivendo na Terra, problemas ou conflitos de relacionamento. Manny vive um pai que sente o drama de perder sua filha para o casamento e ainda não aceita seu genro como parte da família, Sid continua triste porque, apesar do seu “charme” irresistível, não consegue arrumar uma namorada, e Diego e sua companheira sentem que precisam criar mais afinidade com as crianças, se quiserem ser pais um dia.
Honestamente, quando se assiste a um filme como as sequências de ‘A Era do Gelo’, não se espera nenhuma obra-prima, nenhuma grande discussão relevante, até porque o humor do filme reside em piadas e gags visuais muito básicas. A própria linha temporal da franquia (que é mais confusa que a dos X-Men!), e a profundidade (ou a falta dela) dos personagens, já deixam bem claro que seus filmes servem apenas para entretenimento casual e sem grandes expectativas (diferentemente de um filme Disney/Pixar, que tem um “legado” que precisa ser respeitado, por exemplo).
Portanto, se o espectador entender a proposta de entretenimento que o filme oferece, tem boas chances de se divertir muito mais com as trapalhadas da turma. Neste filme, praticamente todos os principais personagens que já passaram pela franquia estão presentes. No campo da “comédia”, o destaque vai para o esquilo Scrat e sua incessante busca pela noz perdida, só que desta vez no espaço (fazendo referências bem tímidas a ‘Perdido em Marte’ e ‘Gravidade’). Suas cenas cômicas poderiam até ser apreciadas isoladamente, mas em contrapartida, as trapalhadas de Scrat acabam contribuindo “indiretamente” para a história. Graças a ele, um Big Bang bizarro e despirocado (recriando o sistema solar de uma forma estranhamente engraçada e maluca) acontece e ainda outros fatos vão ter certa influência para a trama.
Mas apesar da óbvia preocupação com a sobrevivência dos mamíferos na Terra, a trama dos outros personagens tem um subtexto muito mais familiar e de relacionamentos. O mamute Manny parece ser a figura central do filme, seu drama faz um misto de ‘O Pai da Noiva’ com ‘Entrando numa Fria’, só que vista do lado do sogro. E ainda há uma discussão que é bem recorrente no cinema, que é a relação com sua esposa Ellie, e a questão de esquecer datas comemorativas importantes. Já Sid continua sendo um dos personagens mais simpáticos e divertidos, e mesmo limitado a um conflito muito simples, que é conseguir uma parceira amorosa, ainda consegue arrancar boas risadas do público com suas trapalhadas. Mas pelo elenco ser excessivamente numeroso, muitos personagens estão no filme apenas para ter um ou outro momento engraçado, até porque não haveria tempo hábil para desenvolver tantas personalidades nem se a direção assim quisesse.
Mas você deve estar se perguntando: e o filme, é mesmo engraçado? Bom, apesar de alguns acertos, como as já mencionadas trapalhadas de Scrat e Sid, a vovó Granny e um “sósia” de Neil deGrasse Tyson, do seriado ‘Cosmos’ realmente divertem em alguns momentos, mas aparecem pouco. E tanto a coesão da narrativa e as soluções que o filme vai encontrando para os seus problemas são muito inconsistentes e insuficientes para receber algum tipo de elogio. Parece mesmo uma salada, uma bagunça de tanto personagem e de pontas soltas que o filme deixa durante sua execução. Os vilões dessa trama têm uma motivação completamente básica e preguiçosa, além de sequer serem vistos como uma ameaça real para os personagens. Já tivemos “Insetopia”, “Cuzcotopia”, “Zootopia” e tantas outras “topias” no cinema, será que era necessária a criação da “Geotopia”, como o filme faz? E que personagens são aqueles (Shangri Lhama e Francine não fazem sentido algum!)?
Então, a verdade que ‘A Era do Gelo’ é mais do mesmo para a franquia. Um filme que apesar de querer tocar em temas interessantes como família e até servir em alguns momentos como uma ferramenta “educativa” (a direção tenta discutir algumas questões da física, ou também a influência da Lua nas marés ou tempestades elétricas), tem um humor que até mira em uma faixa etária mais elevada, pois há até algumas insinuações bem adultas em algumas piadas. Mesmo com o retorno de personagens legais como Buck, que virou uma espécie de protetor da selva completamente maluco, além da utilização de gírias modernas como “tamo junto e misturado”, “só que não”, “lacrando” e “você mitou”, os arcos dos personagens são porcamente desenvolvidos, com soluções extremamente convenientes e previsíveis. Nem a parte técnica impressiona (tive a impressão de que os efeitos de animação são os mesmos desde o primeiro filme da franquia em 2002).
Dito isso, para quem procura um divertimento extremamente básico para passar uma hora e meia do seu dia, até que ‘Era do Gelo: o Big Bang’ garante umas risadas. Mas, como eu mencionei no início do texto, não espere nada acima da média, ou sequer uma trama que faça sentido ao menos. Se o vilão não funciona, o roteiro não encontra soluções interessantes para nenhum dos problemas levantados e o excesso de personagens impede que eles sejam bem desenvolvidos, é sinal que muita coisa deu errado na produção. Some isso ao fato de que o filme não se assume em ser uma comédia que se leve mais “a sério”, mas por outro lado, também não consegue se comunicar o público infantil (havia crianças na sala em que eu assisti e praticamente não se empolgaram em momento algum com o filme), então podemos concluir que este novo episódio da franquia (há quem diga que será o último) é apenas mais um motivo para nos forçar a não esquecer desse universo maluco e nem de personagens que já tiveram seu melhor momento há mais de dez anos.