É sempre uma surpresa prazerosa ver como as comédias francesas conseguem ser divertidas e reflexivas, sem ser mais do mesmo, como acontece com as americanas e brasileiras. “A Família Bélier – La Famille Bélier” de 2014, como a maioria das produções da França que chegam por aqui, não teve uma divulgação muito relevante, sendo fadada a não chegar ao grande público. É um filme sobre amadurecimento, emancipação e o papel da família na formação de cada um.
Paula é a personagem principal, interpretada por Louane Emera (descoberta no reality show The Voice francês). Ela é uma adolescente que mora com os pais e um irmão que são surdos, em uma fazenda numa cidade no interior da França. Vivendo de uma forma adaptada, ajudando a família em tarefas domésticas, agrícolas e na comunicação com as outras pessoas ela é uma adolescente totalmente normal e confortável com sua realidade. O conflito surge quando ela resolve se candidatar ao coral da escola, por que está interessada pelo jovem Gabriel (Ilian Bergala) e acaba sendo selecionada pelo frustrado professor de música, Thomasson (Eric Elmosnino, protagonista de “Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres”, de 2011) e posteriormente para participar de um concurso de canto da Radio France, que pode afastá-la do convívio e do auxílio aos parentes, já que ela terá de mudar-se para Paris.
A deficiência dos personagens em nenhum momento é utilizada como argumento melodramático, o que é uma escolha coerente, visto que a comunidade surda internacional é muito orgulhosa do seu estilo de vida. Antes disso, o seus “preconceitos” com as pessoas “normais” são explorados, nos oferecendo uma ótima reflexão sobre o tema. O elenco é muito afinado, o pai é interpretado por François Damiens e a mãe por Karin Viard. O ator que interpreta o irmão de Paula, Quentin ( Luca Gelberg) é o único ator realmente deficiente. É interessante como a falta da fala pode ser expressiva e engraçada, sem ser caricata, estereotipada e depreciativa. Os momentos em que os personagens discutem por gestos são os mais engraçados e propiciam um ritmo muito agradável ao longa-metragem.
O diretor Eric Lartigau, possui três filmes anteriores, sendo que o mais recente e mais conhecido, fora da França é “Os Infiéis” de 2012, onde ele divide a direção de uma das sete esquetes com outros seis diretores, entre eles os protagonistas Jean Dujardin e Gilles Lellouche. Apostar em uma atriz estreante e três personagens principais que não falam é no mínimo uma escolha ousada, mas o cinema francês está acostumado a ser bem sucedido com este tipo de aposta, e o resultado não decepciona. O único demérito realmente significativo é não explorar mais o personagem de Luca Gelberg, que apesar da deficiência não perde em atuação para nenhum outro ator conhecido de sua idade.
O maior mérito do longa, além da seleção de trilha sonora, está na dicotomia de ser uma obra em parte baseada no canto, sendo que a maioria dos personagens principais são surdos. Impossível não se emocionar vendo Paula/ Louane, entoando Je Voule de Michel Sardou a plenos pulmões e ao mesmo tempo traduzindo para a família, para a linguagem de sinais ou cantando ao pé do ouvido do pai para que ele sinta a vibração da voz e talento da filha. Aliás a letra da música se encaixa totalmente com o contexto do roteiro gerando emoção de forma muito eficiente, sem ser apelativo.
Se quiser saber o desfecho da candidatura a prefeito do patriarca da família, fique durante os créditos.
Trailer do filme: