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A relação entre o homem e o animal selvagem já foi muitas vezes tratada no cinema. Vide filmes como Mogli: O Menino Lobo (2016), Free Willy (1993), Okja (2017) e até a própria animação Thornberrys (1998-2004). Todos traziam o mesmo discurso sobre o cuidado de se relacionar com um animal da floresta e o quanto ele pode ser perigoso caso a guarda seja abaixada, mas que no fim, a força da amizade prova que tudo criado pelo ser humano para separar, une.
Nesse quesito, A Menina e o Leão consegue trabalhar bem, apesar de seguir todos os clichês possíveis, com diálogos pobres e constantemente previsíveis. No entanto, a produção – junto com a direção de Gilles de Maistre – trabalha para que esses defeitos sejam ofuscados. Isso porque foi realizado um trabalho com animais de verdade, dando ainda mais credibilidade para o ambiente e para a própria relação entre a jovem Mia (Daniah De Villiers) e o fofíssimo leão Charlie.
Todas as cenas gravadas são críveis o suficiente para convencer que a aquela relação realmente ocorreu. E, aparentemente, o longa se adaptou muito às atitudes do animal para caminhar com o roteiro. Digo isso por todas as situações ocorridas, já que o animal aparentava estar solto pelo local da gravação. Por mais que, em outras produções, o uso de animais reais seja questionável, aqui ela funciona da maneira perfeita. O motivo está na citação a reserva ao leão branco, presente na locação do longa.
Isso só é reforçado com a importante mensagem final sobre o perigo da cultura da caça e o quanto isso pode prejudicar o futuro dos felinos – trazendo mais uma semelhança com Okja, por exemplo – tanto que o próprio filme apresenta que, caso o ritmo da caça continue igual, os leões serão extintos dentro de 20 anos. Cinema é uma poderosa forma para transmitir uma mensagem. Seja uma crítica sobre a atitude humana sobre o lixo ou só sobre os cuidados com a natureza. Cinema é, facilmente, uma arma nesse quesito. Porém, precisa ser bem usada. Como ainda estamos falando de uma obra cinematográfica, A Menina e o Leão traz um péssimo resultado no quesito técnico.
Por mais que Maistre consiga captar boas imagens de afeto e amor entre humano e animal, todo o seu controle narrativo é pífio. Sua direção toma caminhos muito seguros, que chegam a ser bobos, não conseguindo obter equilíbrio entre o dramático e momentos mais leves. Há sempre um exagero nas situações, seja pela sua câmera mais fechada em momentos específicos ou um uso além do necessário com trilha sonora. Mas seu pior controle está em relação ao elenco. Charlie – o leão – é o único que realmente convence em tela. A própria protagonista não conquista o espectador graças a uma interpretação amadora da jovem Daniah – não é à toa que este é o primeiro papel da sul-africana. Por mais que o tom da direção tenha ficado próxima do estilo documentário, as atuações não conversam muitas vezes com o que acontece.
Por trabalhar com situações improváveis, já que controlar um leão é difícil, faltou uma escolha melhor por um elenco que conseguisse trabalhar com o improviso, e ainda convencer o espectador de que aquele conteúdo é cinema. Até porque muito do longa tem perfil de telefilme, devido a baixa qualidade no elenco, no roteiro e, de certo modo, da produção. No cenário apresentado, Mélaine Laurent é a única que transmite um potencial para as situações inesperadas do longa e que controla bem os momentos de drama propostos, mas ainda assim, é difícil se manter atento com tanto amadorismo.
Por mais que o primeiro plano do filme traga seus maiores defeitos, características mais técnicas, como fotografia e a própria trilha sonora, conseguem encantar e fazer jus a simples – mas bela – história. Toda a captação do ambiente é a mais linda possível, ainda com uma saturação de todas as cores que só a África oferece. A trilha também conversa muito bem com o ambiente, trazendo, inclusive, uma nova versão de The Lion Sleeps Tonight durante os créditos.
A bela e poderosa mensagem, infelizmente acaba sendo ofuscada pela fraqueza do roteiro de William Davies. Não só pelos diálogos pobres e fúteis, mas por toda a jornada criada, com introdução de situações dramáticas de maneira infantil e construção de certos exageros para uma diversão que não funciona. A própria realidade entregou histórias tão lindas e com uma mensagem tão poderosa quanto a de A Menina e o Leão. Afinal, quem nunca se emocionou com a história dos amigos Rendall e Bourke com o leão Christian? Nisso, faltou certo profissionalismo cinematográfico de Maistre para, não só entregar uma mensagem importante, mas fazer isso dentro de um filme com qualidade. Neste ponto, fica quase impossível não citar novamente Okja, já que o diretor sul-coreano Joon-Ho Bong traz o equilíbrio perfeito entre uma história bem montada, mas também realizando a crítica sobre a indústria de matadouros e a alimentícia.
De maneira geral, A Menina e o Leão faz sua função. É uma boa distração para alertar sobre a perigosa e sórdida atitude de caçar por status e dinheiro. No entanto, como dito, faltou o profissionalismo para realizar com mais qualidade e deixar a trama ainda mais marcante.
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