A sensibilidade e delicadeza de ‘Esplendor’ convidam o espectador para uma linda jornada

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Ao procurar o significado de “esplendor” no dicionário, é possível encontrar “grande brilho”, “magnificência” e “grandeza”. O nome do filme é a tradução da palavra japonesa “hikari”, tendo “brilhante” como seu principal significado. Palavras e definições nunca fizeram tão jus a uma obra cinematográfica. Repetir palavras como “grandioso” e “brilhante” nesse texto será banal para uma produção tão delicada, sensível e encantadora como ‘Esplendor’.
Graduada em fotografia, a diretora japonesa Naomi Kawase surpreendeu o mundo do cinema em 1997 ao se tornar a mais jovem vencedora de melhor diretora do Caméra d’Or, no Festival de Cannes, por ‘Suzaku’. Dentro de sua filmografia, está sempre fortemente preocupada com a distorção entre o real e irreal, mas principalmente entre ficção e não-ficção, movimento importante no cinema japonês que abordava a ficção com olhar documentalista. Esse realismo documental explorado por Kawase é um uso para se concentrar em personagens com um menor status cultural, além de explorar as representações das mulheres dentro da indústria do cinema. Dentro disso, a diretora invocou práticas autobiográficas em suas obras e reflete muito do pessoal, do íntimo e doméstico.
Aqui, Kawase trouxe todas essas características, principalmente na mistura entre a ficção e a não-ficção dentro da própria história e em trazer um drama pessoal para representar a personagem de Ayame Misaki – a morte do pai incrementada para a personagem foi retirado do real sofrimento de Kawase. Aliás, o trabalho íntimo da diretora é primoroso para o filme caminhar com a sensibilidade que a história clama. A direção entrega planos mais fechados, justamente para fortalecer ainda mais a intimidade entre espectador e personagem, e de trabalhar metaforicamente a cegueira, não só total, mas aquela mais fechada para um mundo só nosso. Visualmente, ‘Esplendor’ é magnífico em querer trabalhar a falta de visão. O texto conversa bem com todo o visual do filme, que traz constantemente uma fotografia mais clara e mais luminosa, brincando que a presença de muita luz provoca a cegueira, algo parecido com que Fernando Meirelles fez em ‘Ensaio Sobre a Cegueira’ (2008).
Tornar-se Seleção Oficial de Cannes não é lá um trabalho tão fácil. Afinal, o considerado um dos mais prestigiosos festivais de todos e um dos mais importantes do cinema, é preciso algo a mais. Marcado por obras com um ritmo mais lento e cansativo, filmes de Cannes não só chamam atenção pela presença no Festival, como também acabam formando um público só dele.

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‘Esplendor’ é um filme bem cara de Cannes, se é que podemos classificar um filme assim. O ritmo mais cadenciado e devagar está presente no trabalho de Kawase. Não que isso atrapalhe, pelo o contrário, o ritmo próprio é necessário para a narrativa não se perder e trabalhar ainda mais os personagens.
O equilíbrio entre os papéis de Ayame e Masatoshi Nagase é primordial para Kawase contar essa história. O trabalho de repetir certas situações podem parecer gratuitas e desnecessárias, mas todo detalhe narrativo serve para nos aproximarmos e nos encantarmos cada vez mais com esses personagens. A evolução de Misako (personagem de Ayame) é paralelamente bem trabalhada com a de Masaya (personagem de Nagase), e as duas narrativas conseguem ser muito bem paralelas com o filme no qual Misako “dubla”. A metalinguagem existe de forma funcional e mais indireta, usada como o fio condutor da história dos dois, que no final, ao subir dos créditos, entrega uma delicadeza sem descrições.
Muito dessa delicadeza existe na fotografia, mas nada seria sem a trilha de Ibrahim Maalouf. Tão delicada quanto as imagens, a trilha balanceia e se ofusca do texto, mas ainda é tão fundamental quanto as imagens. Por breves momentos, ela some, mas quando volta a ser protagonista, não decepciona e entrega toda a beleza que o momento pedia.
Em metáfora, Kawase trabalha principalmente sobre visões, certas vezes, literalmente. Ao utilizar um plot envolvendo pessoas cegas, a discussão sobre o “enxergar” existe desde o primeiro minuto, mas Kawase vai além e consegue destrinchar o que parece ser simples, para algo mais complexo, como interpretações, visões de mundo, controle sobre o outro, imaginação. Do mesmo modo que o texto balanceia muito entre a ficção e não ficção, existe também um balanço entre o real e irreal e de forma literária. Pare por um minuto e se imagine cego. O mundo ao seu redor passa a ser algo da sua cabeça, mas, é aí que existem pessoas que chegam e começam a dizer o que é real. Toda a interpretação e a imaginação se transformam, mas, até que ponto ela é sua e não do outro? Questões como essa são indiferentes para a central trama de amor, mas se esse tipo de discussão existe, mesmo que bem indireta, é um sinal de riqueza no roteiro que deve ganhar uma atenção.
Aquilo que aparenta ser um erro, torna-se grandioso ao parar para refletir sobre. Estou falando de pontos específicos em que o longa aparenta correr em meio a uma narrativa mais lenta, mas dentro da proposta da personagem, funciona e faz todo o sentido. ‘Esplendor’ é de um brilhantismo encantador que joga uma luz forte naquilo que normalmente é coberto de uma escuridão sem volta.

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