Filmes produzidos especificamente para o público infantil e adolescente não são um fenômeno novo, mas ganharam fôlego nos últimos dez ou quinze anos, com o sucesso de franquias adaptadas de livros escritos para essas mesmas faixas etárias, como ‘Harry Potter’ e ‘Crepúsculo’. Poucas delas ultrapassam um mínimo de qualidade técnica e sucesso de público e crítica, como a finalizada recentemente ‘Jogos Vorazes’ (e por isso os produtores já tem pensando em formas de continuá-la), mas mesmo essa cometeu erros grotescos, como separar o último filme em dois, apenas para dobrar os lucros (prática adotada por Hollywood desde as adaptações de ‘Harry Potter e as Relíquias da Morte’). E no “hype” das já citadas surgiram outras como ‘Divergente’ e ‘Maze Runner’, que a cada nova continuação menos justificam sua necessidade de existência fora dos livros.
Ambientar essas narrativas em futuros distópicos virou uma tendência desses novos produtos cinematográficos. Conceitos vindos direto de livros e filmes como ‘1984’, ‘Admirável Mundo Novo’, ‘Farenheit 451’ e ‘Battle Royale’, nunca estiveram tão em voga, talvez influenciados pelo impacto do atentado às Torres Gêmeas em 11 de Setembro de 2001 na cultura “pop” e os conflitos que surgiram posteriormente. Nos anos 80 também foram produzidos diversos filmes com temática parecida, como ‘Mad Max’ e ‘RoboCop’, provavelmente embalados pela Guerra Fria, mas eram para um público mais maduro, sua violência era menos disfarçada e não eram tecnicamente tão desleixados e moderados como os recentes. As versões pré-adolescentes atuais, mais parecem contos de fadas, onde as mortes são sempre “limpas”, sem sangue e sem sofrimento, numa representação que está muito longe de retratar a “verdade” dos horrores de qualquer conflito bélico e de contextos totalitários.
O primeiro filme adaptado dos livros escritos por Veronica Roth ‘Divergente’ (2014) já parecia desnecessário quando assistido com um olhar mais crítico, talvez até por se parecer demais com os já citados ‘Brave New World’ de Aldous Huxley e o recente ‘The Hunger Games’ de Suzanne Collins. O segundo, ‘A Série Divergente: Insurgente’ (2015) melhorou nos efeitos visuais e na parceria entre os atores, mas ainda assim passou longe de alcançar o mesmo sucesso da franquia protagonizada por Jennifer Lawrence, que tinha um roteiro mais coeso, interessante, que conseguiu evoluir a cada sequência e que apesar de parecer ter retirado muitos conceitos de ‘Battle Royale’ (2000), soube encontrar uma “alma” própria introduzindo conceitos políticos). Shailene Woodley é uma atriz com um grande potencial e bastante carismática, o que já era evidente quando atuou em ‘Os Descendentes’ (2011). Entretanto, o material base com que tem de trabalhar nesta franquia e todas as cenas de ação com as quais sua personagem tem de lidar, não favorecem sua performance e por mais que ela se esforce, não consegue disfarçar toda a artificialidade visual desse universo, que tenta apresentar uma tecnologia futurística pouco convincente e que se apoia demais nos efeitos gráficos.
‘A Série Divergente: Convergente’ (2016) é uma promessa não cumprida, pois desde o primeiro longa-metragem da série, os espectadores querem saber quais os mistérios que se escondem além dos muros da “Chicago pós-apocalíptica”, esperando por algo surpreendente. No segundo longa-metragem já foi frustrante não descobrir nada além da cidade já vista no primeiro longa, porém neste terceiro, quando finalmente se conhece o que há no mundo lá fora, não é mais satisfatório e não se tem a sensação de a espera ter compensado. Após três filmes, ainda não fica evidente o que realmente torna Beatrice “Tris” Prior uma “divergente” especial, nem mesmo parece ocorrer alguma evolução significativa sua como personagem, como uma líder ou um símbolo de uma revolução.
As atuações tem seus bons momentos, principalmente dos atores coadjuvantes Ansel Elgort (Caleb Prior) e Miles Teller (Peter), mas que infelizmente aparecem muito pouco. E como o foco fica mais no casal principal, interpretado por Shailene Woodley e Theo James, mesmo que os dois se esforcem e tenham alguma química é difícil acreditar neles como heróis de ação. Já se tornou cansativo ver como Trix tem sacadas geniais em momentos difíceis, com uma inteligência vinda sabe-se lá de onde e como Tobias “Quatro” espanca sozinho diversos capangas sem nunca se cansar; habilidades essas que por serem mal desenvolvidas no enredo, acabam abalando nossa “suspensão da descrença”. Baseado no último livro da trilogia ‘Allegiant’ foi dividido em duas partes ‘Convergente’ de 2016 e ‘Ascendente’ com lançamento previsto para 2017, o que vai tornar ainda mais cansativo um desfecho já desinteressante. No livro, o foco narrativo muda em alguns capítulos para a perspectiva do personagem Quatro, o que no filme não acrescenta nenhuma qualidade, já que o ator Theo James ainda não tem carisma suficiente para salvar um filme cheio de problemas, o que de qualquer forma não é sua responsabilidade.
Os efeitos especiais são convincentes em boa parte da série, no primeiro já não eram de todo ruins, com algumas melhoras significativas no segundo, mas é um recurso que apesar de competente em várias partes é demasiadamente utilizado neste terceiro. Quando os personagens têm que percorrer um mundo devastado por uma provável guerra atômica ou interagir com uma tecnologia futurística improvável, as imagens em CGI causam muita estranheza. Em muitas cenas eles parecem estar interpretando com nada físico para interagir, principalmente quando têm que lidar com espécies de “drones”. Sem mencionar a quantidade extremamente cansativa de panorâmicas criadas na maior parte por efeitos de computação gráfica. Nem mesmo a presença de Naomi Watts (como a revolucionária Evelyn) e Jeff Daniels (como o diretor David) conseguem acrescentar um atrativo a mais para o filme, aliás esses dois personagens, também, lembram demais outros de ‘Jogos Vorazes’, o Presidente Snow (Donald Sutherland) e a revolucionária Alma Coin (Julianne Moore).
Dirigido por Robert Schwentke, que já havia trabalhado em ‘A Série Divergente: Insurgente’, sua direção não consegue melhorar uma história que já não tinha um potencial maior do que requentar alguns conceitos, que já foram melhor trabalhados em outros produtos culturais. ‘A Série Divergente: Convergente’ não passa de um filme mediano, confuso, tecnicamente desorganizado e que não sabe explorar o potencial de seus atores. No todo, como série de livros, escrita por uma autora inexperiente que recém passava dos seus vinte anos quando fora publicada, já era uma narrativa de qualidade questionável. Como franquia cinematográfica, que demanda alguns milhões para ser produzida é no mínimo um desperdício de recursos, que não visa nada mais do que o lucro para os produtores. É um filme que exemplifica bem o atual e severamente criticável padrão de Hollywood, que se afasta cada vez mais do cinema como forma de arte e de expressão, se aproximando a cada ano que passa de uma linha de montagem de produtos juvenis rentáveis. Resta saber se o público alvo vai ter paciência e corresponder nas bilheterias de 2016 e 2017, após mais um ano de espera pelo encerramento de uma saga, que talvez nem devesse ter começado.