Agnus Dei

O universo feminino sempre foi algo misterioso aos olhos dos homens, mas “Agnus Dei” nos mostra o quão surpreendente este mesmo universo pode se tornar.

Baseado em fatos reais, o filme conta a história de Mathilde Beauliel (Lou de Laâge), uma garota francesa que é enviada a Polônia para trabalhar como enfermeira assistente, prestando auxilio a doentes e militares feridos durante o final da Segunda Guerra Mundial. Em um determinado momento, Mathilde é abordada por uma freira polonesa que lhe vem com um pedido de socorro para uma questão um tanto delicada. Mathilde acaba sendo levada pela freira para o convento em que vive junto a outras irmãs. Lá, a enfermeira se depara com outras freiras em estágio avançado de gravidez, oriundas de estupros cometidos por soldados alemães e soviéticos durante várias invasões ao convento antes do fim da guerra.

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Várias são as dificuldades em torno da religiosidade das freiras e da insegurança quanto aos seus corpos, o que atrapalha Mathilde para que a mesma lhes dê o tratamento adequado, ainda mais tendo esta, uma característica bastante condenável aos olhos das irmãs, que é o fato da enfermeira não acreditar em Deus e estando, ainda por cima, questionando os dogmas da igreja em razão da defesa da vida humana, dando referência ao nascimento dos bebês. Há dois momentos cruciais e marcantes que estabiliza a relação de confiança entre a médica com as freiras e que giram em torno da ação dos soviéticos no pós-guerra. Primeiro, Mathilde é quase vítima de estupro por soldados em uma batida policial e, em um novo momento de invasão à igreja, a enfermeira consegue frustrar a tentativa dos soldados soviéticos ao tentarem invadir os aposentos das freiras e evitar novos atentados de violência. O referido fato acaba por aproximar Mathilde de suas novas pacientes, estabelecendo uma relação de respeito e até amizade, independentemente de suas crenças. A cena do abraço das irmãs como gesto de agradecimento para com Mathilde é a cena mais marcante do filme.

O trabalho de Mathilde acaba despertando uma profunda amizade de uma das freiras, a irmã Maria (Agata Buzek), a qual, contrariando as ordens da madre superiora (Agata Kulesza) e as regras determinadas pela Igreja Católica, acaba por contribuir com a enfermeira em prol da segurança das irmãs, chegando até a revelar para Mathilde sua vida mundana do passado.

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O tocante da história desta produção, é o fato perturbador e dramático envolvendo estupros cometidos por nazistas e soviéticos contra as freiras, uma vez que estas acabam sendo violentadas tanto por quem, historicamente, era o vilão da guerra, quanto por quem tinha o dever de expulsar aquele vilão, sem falar na forma com que os filhos de cada freira gestante eram tratados logo após nascerem. Um grande conflito de ideologias, crenças e valores é estabelecido pelo enredo.

Embora a personagem principal seja a enfermeira Mathilde, as atenções se voltam para a situação das irmãs que, de um modo geral, se torna emocionante do início ao fim. É deveras fato, que toda aquela situação delicada levanta uma questão em torno do sentido da vida e da maternidade, um fato muito bem entendido no cotidiano das mulheres. Em outras palavras, se pode verificar que no filme, a origem da vida e o valor da maternidade estão além das obrigações religiosas e das crenças do ser humano. Muitos atribuem este aspecto ao amor como um todo, já outros questionam o pecado mortal cometido para originar aquela referida vida. Daí se pode analisar a controvérsia sentida pelo telespectador em torno, nada menos, do título em português: ‘Agnus Dei’. O título original do filme se chama ‘Les Innocentes’ como referência tanto às freiras violentadas, das quais muitas eram virgens, quanto às crianças, filhas destas freiras e frutos de muitos estupros. O termo “agnus dei” é traduzido como sendo “Cordeiro de Deus” ou “Jesus Cristo”, ou seja, aquele que vem para tirar o pecado mundo. Ironicamente, para os religiosos, os bebês gerados no filme são frutos de pecados mortais cometido por homens sem fé, diferente do que aconteceu com Jesus Cristo que, de acordo com as escrituras sagradas, foi gerado sem pecado. Em contrapartida, o final do filme em questão se torna bastante revelador e transparente em razão do referido título, quando as freiras, sob a orientação da enfermeira Mathilde, decidem o destino das crianças. O que era de fato um pesadelo para elas, acabou se tornando uma oportunidade para trazer novamente tempos bons e a alegria para todo aquele lugar esquecido, afastando completamente o peso do pecado sobre aquelas sobreviventes da violência. Daí se destaca o título do filme em português como inteiramente válido.

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O filme é dirigido por Anne Fountaine, a mesma de ‘Coco Antes de Chanel’ e, embora de produção francesa, o mesmo se passa na Polônia e é falado nas duas línguas. Muito bem fotografado, as imagens recriam um ambiente sombrio, devastado e esquecido em razão da guerra. Uma trilha sonora comovente, se utilizando até mesmo de músicas sacras e cantadas, acabam por melhorar o enredo através das cenas. Um elenco primoroso, com um destaque para as atuações de Lou de Laâge e da polonesa Agata Buzek, as quais além de talentosas conseguem encantar o público com sua incrível beleza.

Um detalhe curioso a respeito do que foi mencionado acima, sobre o conflito de ideologias, crenças e valores que o filme levanta gira em torno de um outro filme, o polonês ‘Ida’. Quem apreciou a história deste filme ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, vai se identificar muito com o que é mostrado em ‘Agnus Dei’, no que diz respeito aos fatos da vida e as decisões difíceis para se tomar em situações extremas. Curiosamente, algumas das atrizes de ‘Agnus Dei’, também estão no filme ‘Ida’.




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