Há nove anos, a Disney iniciou uma longa jornada com versões live action de seus longas animados. Apesar da recente fama, a empresa já havia realizado isso 25 anos atrás com a primeira versão de O Livro da Selva (1994) e depois com os dois filmes de 101 Dálmatas (1996/2000). Porém, de 2010 para cá, a companhia vem se mostrando cada vez mais dedicada a trazer novas produções, tanto que, neste ano são quatro e mais dez já foram confirmadas. São nessas situações que se discute a qualidade das versões e até que ponto elas valem a nostalgia. Após lançamentos de Cinderela (2015), Christopher Robin (2018) e Dumbo (2019), é a vez de Aladdin, com sua versão adaptada por Guy Ritchie e John August, entrar na mesma situação de análise, ainda mais por tudo o que cercou a produção desde o anúncio do longa.

Isso porque muito se questionou sobre como seria possível adaptar os pontos cruciais da história original e, principalmente, o personagem Gênio. Neste ponto, quem acompanhou a internet, sabe como Aladdin foi pauta de centenas de análises, críticas e suposições. No fim, nenhuma realmente valeu a pena, já que o longa está longe da polaridade, consertando diversos pontos da animação, porém, errando em muitos outros. E assim, a versão live action de Aladdin entra no limbo de qualidade que a maioria das adaptações da Disney andam sofrendo, estabelecendo críticas equilibradas sobre suas histórias. No entanto, algumas conseguem fugir desse meio termo, trazendo baixa qualidade, como Alice no País das Maravilhas (2010), enquanto outros, como Mogli – O Menino Lobo (2016), trazem inúmeros elogios.

Aqui, Ritchie tinha uma difícil missão, já que a animação oferece diversos momentos espalhafatosos e coloridos, principalmente graças ao Gênio. Surpreendentemente, o cineasta entrega uma produção honesta nesse quesito, trazendo os momentos de loucura do personagem, mas conseguindo ser pé no chão o suficiente para não ter um alto custo na pós-produção. Ao mesmo tempo que é compreensível a mudança, também decepciona, já que o personagem dublado originalmente por Robin Williams se torna a verdadeira alma da história. A escolha de Will Smith também é outro ponto questionável sobre o personagem. Isso logo se provou quando a internet discutiu sobre seu visual e que, infelizmente, consegue também decepcionar na grande tela, até pela escolha de design em colocar o rosto do ator direto na computação gráfica, não dando uma personalidade própria a ele, tornando-o muito mais Will Smith do que Gênio em si. Isso sem contar a falta de qualidade do CGI em determinados pontos, dando nítidas impressões de má colocação de rosto.

Quanto ao tom do personagem, há uma mistura daquilo criado por Williams, porém, adaptado para Smith, tornando-o em uma essência nada natural, já que há muitas características do ator dentro de algo criado por outro. A presença de Smith no personagem é tão forte que é nítida a colocação de outras caracterizações do ator nas performances, com pontos de Um Maluco no Pedaço (1990-1996)e até Hitch – Conselheiro Amoroso (2005). Por mais que o próprio Williams tenha servido de inspiração para a construção do personagem, é fácil de separá-lo, algo que aqui torna-se mais difícil. Em seu tratamento narrativo, o personagem sofre mudanças esperadas, porém, funcionais em parte. Isso porque ele ganha uma humanização significativa, mas que, comparada com a ideia original, consegue ser fraca diante todo o conceito do personagem.

Quanto a história, foi comentado sobre o equilíbrio trazido por Ritchie e August em consertar, ao mesmo tempo que estraga. E é nesse quesito que Aladdin fica distante de conquistar a mesma força da animação. Apesar do longa conseguir se estabelecer sozinho, fica difícil não comparar com a obra original de John Musker e Ron Clements. Isso porque pontos específicos da animação, tanto de essência dos personagens quanto de costura da história são transformados, o que já era esperado. Alguns, como a falta do uso da sensualidade da Jasmine – e até a criação de uma música própria para ela – ou a criação de uma justificativa plausível para Jafar, realmente funcionam. Mas, paralelamente aos acertos, falhas, como a construção do romance entre os dois principais e extensões de núcleos, atrapalham a narrativa. Isso quando não ocorre inversões, como no caso da própria sensualidade da Jasmine, que, felizmente, é retirada no live action, entretanto, a independência e força da personagem são construídas com mais esmero na versão de 94.

Situações como essa aconteceram com A Bela e a Fera (2017). Por sua vez, o longa dirigido por Bill Condon fica longe de trazer a essência mágica e encantadora da animação, distanciando-se da qualidade. Por sorte, Aladdin consegue trazer essa essência, já que toda a coloração e a alegria presente no original é trazida de volta. Nisso, os números musicais acertam ao trazer a diversão presente nas canções originais em clipes lindamente dirigidos por Ritchie, que explora toda a ambientação e a belíssima direção de arte do longa.

Apesar disso, as duas novas canções introduzidas se provaram dispensáveis diante a jornada da história. Desenvolvidas justamente para Aladdin e Jasmine – separadamente – as letras trabalham conceitos que o próprio roteiro entrega, deixando-as apenas como uma necessidade desperdiçada, característica essa presente em grande parte de alguns desenvolvimentos e diálogos.

O mesmo, inclusive, acontece com a própria direção de arte. A utilização de lindas paisagens desérticas embeleza toda a ambientação, mas a cidade fictícia de Agrabah fica longe de entregar a mesma beleza provocada na obra original, tornando-se um ambiente comum comparado com o lugar mágico da animação. Em partes, não haveria problemas, já que mudanças são necessárias. Entretanto, a mudança feita com a cidade não é a mesma realizada com a admiração dos personagens pelo local, gerando, então, a decepção.

Ritchie, em grande parte, acerta o tom da direção, conseguindo um equilíbrio saudável nas cenas dramáticas e cômicas, mas ainda não conquistando em sequências com mais ação, já que o mesmo explora suas características narrativas como o uso da câmera lenta e cortes mais secos. A segunda técnica, especificamente, é utilizada de maneira frágil no longa, não tendo uma justificativa narrativa para seu uso, provocando apenas um bom momento visual, porém, gratuito, diferente, por exemplo, do que ele realiza em Sherlock Holmes (2009).

Outro problema envolvendo sua direção está no elenco. Apesar da culpa não cair só em cima do cineasta, todos seus atores deixam a desejar em determinados momentos. Ao todo, Naomi Scott é a única que possui um equilíbrio na pele de Jasmine, já que Mena Massoud ficou longe de possuir o carisma do protagonista e Marwan Kenzari, mesmo que maduro na pele de Jafar, transmite momentos exagerados fora do tom apresentado pelo personagem durante o caminhar da história. O que melhor funciona é a interação do universo real com o computadorizado. No caso, a interação do elenco com Abu, Tapete, Rajah, Iago e, na maioria das vezes, com o próprio Gênio. A computação gráfica consegue estabelecer bem o design de todos e os tornam tão vivos quanto os próprios atores, e, por quase todo o tempo, conseguindo conquistar mais os espectadores.

Ainda que longe da obra original, Aladdin entrega o necessário para conseguir divertir e tocar na nostalgia, principalmente por balancear o trabalho individual com momentos espelhados do desenho. Por sua vez, isso não basta para deixar a mesma marca na geração atual que a animação deixou na passada.

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