Um dos atrativos em filmes de gângsters é que seus protagonistas não são pessoas comuns. Conseguem ser irresistivelmente charmosos, ao ponto de muitas vezes torcermos por eles, mas se revelam extremamente cruéis e sangue-frios, capazes de atitudes desumanas e revoltantes, tudo isso ao mesmo tempo. Falando em charme e carisma, é inegável que o ator Johnny Depp conseguiu uma legião de fãs usando e abusando dessa dádiva que lhe foi dada, mesmo em seus papéis mais sérios ou de “vilão”, como em “Donnie Brasco (1997)” ou “Inimigos Públicos (2010)”. Portanto, podemos dizer que Johnny foi uma escolha extremamente feliz para interpretar um dos maiores criminosos dos EUA, o líder de uma gangue irlandesa do sul de Boston, chamado James (Jimmy) “Whitey” Bulger – que ficou por 12 anos na lista dos mais procurados do FBI – no novo filme do diretor Scott Cooper, “Aliança do Crime”.
Baseado em fatos reais, o filme não conta toda a história de Jimmy, mas apenas a fase na qual ele deixou de ser um peixe pequeno para trabalhar como informante do FBI em uma espécie de “aliança” com John Connolly (Joel Edgerton), um amigo de infância que havia acabado de se tornar agente federal e tinha como missão eliminar a máfia italiana no sul de Boston. Unidos por uma espécie de código de honra, John oferece a Jimmy uma parceria que, segundo ele, seria benéfica para ambos, mas o desdobramento da história mostra que não foi bem assim que aconteceu. A trama se inicia em uma sala de interrogatório, onde um a um aqueles que conviviam ou conheciam Jimmy iam contando sua trajetória, de como em tão pouco tempo ele passou de um criminoso “comum” regional, para um dos mais violentos e temidos chefes de gangue dos EUA. O diretor conta a história através de flashbacks, complementando as informações dadas pelos delatores. Aí está o grande problema de “Aliança do Crime”, e isso é recorrente do seu último trabalho – “Tudo por Justiça (2013)” – que também tinha muito potencial, mas acabou sendo desperdiçado por conta do diretor dar muito mais importância ao choque visual (ambos os filmes são muito gráficos e violentos) do que se preocupar em contar uma história realmente interessante para a plateia e fazer com que o espectador se envolva com o filme. Muitos professores e autores de roteiros concordam que o flashback deve ser usado em situações realmente necessárias, pois ele “empobrece” a experiência de se assistir a um filme. Em outras palavras, se um fato é tão importante a ponto de estar no filme, por que não encaixá-lo dentro da história, haja vista que (geralmente) um flashback necessita de uma explicação, e isso implica no espectador perder sua capacidade ativa de descobrir a história por si mesmo, tornando-se um mero ouvinte passivo da trama. Alguns roteiristas sabem utilizar este recurso com maestria e alguns não, como no caso de “Aliança do Crime”, na minha opinião.
Falando dos aspectos positivos do filme, e que também são dignos de nota, estão o elenco e a produção técnica do filme. A ambientação parece muito verossímil, incluído a caracterização dos personagens, a fotografia é bem executada e transmite, juntamente com a pesada trilha-sonora, o clima de tensão que permeia praticamente por todo o filme. Mas o destaque mesmo são as atuações. Joel Edgerton é um dos que mais aparece em cena, e mais uma vez o ator se esforça bastante para entregar uma boa atuação. Os coadjuvantes, Benedict Cumberbatch (que interpreta o irmão Senador de Jimmy), Dakota Johnson e David Harbour também entregam resultados muito bons, apesar de terem bem menos tempo na tela. Mas três atores se sobressaem, em atuações bastante opostas, o contido Rory Cochrane (um ator bastante subestimado, na minha opinião) e o inquieto Peter Sarsgaard não têm tanto destaque no filme, mas suas contribuições são fundamentais e condizentes com o universo de segredos e emoções a flor da pele que o filme nos mostra. A cereja do bolo é a magnífica personificação de Johnny Depp no papel de Jimmy Bulger. Misterioso, charmoso, preocupado com a família e impiedoso com os rivais ou traidores, Johnny chega assustar em alguns momentos, e acredite, não há exageros nesta afirmação. Seu trabalho vale mais uma indicação para o ator, e até o presente momento desta análise, é a melhor atuação do ano, com destaque para a assombrosa sequência do jantar de Jimmy com os federais, na casa de John. Sua caracterização também ajudou bastante, não ficou parecendo “artificial” nem exagerada, o que conta muito também.
Apesar do roteiro pobremente adaptado por Mark Mallouk e Jez Butterworth (ambos roteiristas ainda pouco experimentados), podemos considerar como resultado final que “Aliança do Crime” é um daqueles filmes onde o que o torna imperdível é o excepcional trabalho dos atores, e não a história por si só, principalmente pela maneira pouco intrigante e estimulante para o espectador, como foi concebida. Se a ideia de ver o FBI trabalhando juntamente com um chefão da Máfia parece implausível, não se esqueçam que mesmo estas agências de inteligência são conduzidas por pessoas que, sim, têm interesses próprios e cometem falhas também, como qualquer outro ser humano. Vale lembrar que nas décadas de 80 e 90 a CIA trabalhou com serviços secretos da Arábia Saudita e do Paquistão, e (talvez) indiretamente contribuindo para o surgimento de grupos fundamentalistas islâmicos, ignorando que um dia eles pudessem se voltar contra o Ocidente. No caso de Aliança do Crime, vemos que se aliar a um oponente pode ser vantajoso em alguns aspectos. Mas não se pode jantar no inferno sem provar da sobremesa e muitas vezes, só percebemos o monstro que criamos, quando ele está fora do nosso controle.
Trailer do Filme: