Década de Backstreet Boys, Tv Colosso, Ayrton Senna, tetra do Brasil na Copa do Mundo, fundação da Microsoft e do Google, auge da música e do cinema. Assim ficou marcado os anos 90, considerado por muitos “a melhor época para se viver”, servindo, ainda hoje, como referência em segmentos específicos quando se fala de cultura.

Apesar das considerações maravilhosas sobre os anos que separam 1989 e 2000, foram dez anos comuns. Ainda que houvesse movimentos que marcaram – sendo muitos reconhecidos só no fim da década – a vida de muitos ainda era normal e nada glamourizado no nível que o período é considerado. E na estreia de Jonah Hill como roteirista e diretor, o cineasta transmite um lado não tão explorado da forma mais humana e mais crua encontrada.

Muito disso se deve ao fato do longa parecer realmente da época, visualmente falando. Logo em seu primeiro trabalho, Hill escolheu filmar em 16mm e projetar em 1×1:33, duas características audiovisuais da época. Apesar de parecer apenas charme técnico, a escolha cinematográfica é fundamental para um verdadeiro embarque na jornada dos personagens, além de servir como linguagem do próprio longa, por parecer uma própria filmagem daqueles garotos, dando ainda mais credibilidade para aquela narrativa e também de, metaforicamente, mostrar a realidade através das câmeras. Isso se deve, principalmente, pelo roteiro não romantizar a época, como outros vários filmes adolescentes faziam, e então, transportar uma realidade mais crua e dolorida.

O próprio fato do cineasta trabalhar com um elenco menos conhecido – tirando Katherine Waterston e Lucas Hedges – transporta ainda mais credibilidade na sua proposta.

Nesse mesmo ponto, Sunny Suljic – que já havia trabalhado com Hill em A Pé Ele Não Vai Longe (2018) – domina a tela surpreendentemente, apesar de só dois anos de carreira. A entrega da vivência e as dificuldades do personagem são lindamente representadas em tela, e o poder de sua atuação é muito bem retratada, não só nos momentos de estouro, mas principalmente dos de delicadeza, em situações de mudanças rápidas e sucintas de emoção, dependendo do ambiente.

Hill consegue tirar muito do jovem, além de construir uma jornada encantadora, mas forte ao mesmo tempo. Neste segmento, o verdadeiro poder de Anos 90 está em ser, não só uma obra de época, mas também atemporal, já que é possível identificar situações vividas, mesmo não tendo vivido a década em si (digo isso por experiência própria). Todos os temas, como violência doméstica, a busca pelo sucesso, o conflito entre amigos e até a busca por pertencimento e reconhecimento de um grupo, são transportados da maneira mais humana e real possível, e tudo dentro de uma narrativa fluída, mesmo com toques mais artísticos de Hill.

O verdadeiro potencial está nessa habilidade que o americano mostrou. Seu roteiro não explora momentos grandiosos para ganhar mais atenção que a obra, tanto que sua narrativa é simples e que é facilmente reconhecida dentro de outros roteiros ambientadas na mesma época, como suas próprias inspirações de Se Brincar o Bicho Morde (1993) e Kids (1995), por exemplo. Porém, sua direção e controle narrativo são realizados com um profissionalismo que mantêm Anos 90 como um marco.

Com uma carreira muito voltada à comédia, Hill vem se diferenciando há alguns anos, com projetos como Maniac (2018) e A História Verdadeira (2015), por exemplo. Chegando até trabalhar com cineastas como Martin Scorsese e Quentin Tarantino. E aqui, Hill prova seu amadurecimento como cineasta, principalmente por conseguir um equilíbrio perfeito entre suas vivências na filmografia. Anos 90, no caso, tem uma base muito bem estabelecida no drama, muito clara na direção mais pesada e seca – que, em momentos, lembra a mesma de Scorsese – mas com seus toques certeiros de humor, muitas vezes colocados pela situação e não pelo texto em si.

A utilização de muitos planos estáticos e bem misturados com steadcam traz ainda mais da intenção geográfica e temporal proposta, com uma conversa entre a estabilidade, mas também a bagunça de certos vertentes da época. O maior desafio concretizado de Hill na obra foi também com o elenco. Apesar da recente experiência de Suljic, essa foi a primeira de Na-Kel Smith, Olan Prenatt, Gio Galicia e Ryder McLaughlin, que não só possuem grande tempo de tela, como também momentos dramáticos relevantes na narrativa. E Hill os dirige de maneira madura, parecendo adaptar o texto – e sua própria câmera – para aproveitar momentos autênticos dos meninos e dar ainda mais seu ar nostálgico e verdadeiro na história.

Outro ponto para a veracidade da proposta está na direção de arte. Além da utilização técnica da câmera e da projeção, toda a produção de Anos 90 é impecável. A reprodução das roupas e da ambientação – que ganha a vantagem da filmagem – consegue dar ainda mais o tom realístico. Pelo desenvolvimento das cidades, Hill se aproveita bastante de planos mais fechados, de um lado, para retratar a intimidade das vivências, e por outro, evitar ambientes modernos. Quando ele utiliza planos mais abertos, são em locais com características mais antigas, e que não, necessariamente, passaram pelo trabalho de transformação.

Por isso, Anos 90 conquista nos detalhes. A história, por mais artisticamente bem retratada que seja, não traz algo essencialmente novo, mas o cuidado de Hill em fazer uma reprodução honesta e simbólica, com uma visão mais crua de uma época considerada mágica, faz de sua estreia um marco em sua carreira e na filmografia dos espectadores. 

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