Todo mundo já entendeu que a Warner não conseguiu, por nada, criar um universo compartilhado para os personagens da DC no cinema. Mesmo eles já entenderam isso. Mas, ao invés de tentar recomeçar, eles estão tentando fazer “filmes independentes” derivados dos filmes que eram “conectados”. Alguma chance de dar certo? Claro que não. Por mais que “Aquaman”(2018) e “Shazam!”(2019) tenham sido bem recebidos pelo público e pela crítica, em algum momento eles iriam escorregar novamente, enquanto não se desprenderem de vez dos resquícios desse “DC Universe”.
“Aves de Rapina: Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa” é um escorregão, um belo escorregão. Se “de boas intenções, o inferno está cheio”, de ideias boas mal executadas, o cinema está mais cheio ainda. No fervo da diversidade e da busca por representatividade feminina no cinema, as “Aves de Rapina” tinham tudo para dar certo, mas a chance foi desperdiçada. Uma trama fraca, uma direção deplorável e uma montagem risível ofuscam as boas atuações da protagonista e do antagonista, os únicos que conseguem, um pouco, segurar a sua atenção durante as quase duas horas de filme.
Os problemas do filme começam com a falta de sintonia entre o título, a campanha do filme e a trama entregue. A suposta “emancipação” da Arlequina de seu mestre, o Coringa, acontece de uma forma rasa e sem a presença do mesmo. Fato que não seria um problema se o roteiro não tivesse substituído o Coringa, de um modo muito mal escrito, por um outro vilão genérico, responsável por ser o antagonista a “emancipação” da personagem principal. Fica evidente ao telespectador que em algum momento foi planejado que o antagonista fosse, na verdade, o próprio Coringa, pois assim, a emancipação teria acontecido de uma forma muito mais rica e com algum significado de fato. Talvez, todas as críticas ao Coringa de Jared Leto e alguns outros problemas com o ator tenham feito a Warner tomar essa decisão que resultou, então, em uma grande perda para a qualidade do longa. E se o roteiro da novata Christina Hodson (“Bumblebee”, 2018) não é elaborado o suficiente para tornar a história digna de despertar o interesse do público, a direção de Cathy Yan consegue ser ainda pior.
Yan faz diversas escolhas que são responsáveis por desbalancear significativamente os sentimentos do espectador, é difícil dizer se o filme é uma comédia ou um drama. Tal como, em “Liga da Justiça”(2017) era perceptível quais foram as cenas cômicas refilmadas por Joss Whedon e inseridas no filme dramático de Zack Snyder, em “Aves de Rapina” também fica uma sensação de falta de identidade, mostrando o quão fraco é o trabalho de Yan.
Quem mais sofre com isso é Margot Robbie, que demonstra uma paixão pela personagem e parece se dedicar muito para fazer um bom trabalho, mas se viu inserida em meio a uma equipe com pouca competência. Por incrível que pareça, a personagem estava muito melhor escrita para “Esquadrão Suicida”(2016) do que para o seu próprio filme. O outro destaque de atuação vai para Ewan McGregor que, mesmo com um personagem aparentemente inserido às pressas na trama, consegue ser engraçado e assustador (tal como o Coringa deveria ser). Por outro lado, é difícil dizer se a atuação das demais personagens que compõem as “Aves de Rapina” é fraca, ou se foram vítimas da falta de competência da diretora.
Por fim, faz-se necessário comentar a constância do
desvirtuamento de valores no filme. Sim, é um filme sobre uma “vilã”, espera-se que ela tenha atitude de vilã e, pelo menos, diferente dos problemas do longa “Coringa”(2019), que justificaram as atitudes vilanescas vitimizando o personagem, de vítima, a Arlequina não tem nada, o que é um ponto muito positivo. Porém, de forma implícita, o filme está sendo vendido como um filme “girl power” para “garotas e meninas”, ignorando a classificação indicativa de 16 anos, e este mesmo discurso está sendo dito por diversos influenciadores digitais que atingem um público de uma faixa etária muito menor. Isso acaba sendo um problema porque se trata de um filme realmente violento, e com algumas cenas que dão a entender que o uso de drogas ilícitas é legal e faz bem. Por mais “chato” que quem vos escreve pareça ser, essa não deixa de ser uma preocupação relevante. Existem exemplos muito melhores de “girl power” para serem seguidos, sejam “As Panteras”, em qualquer uma das adaptações, as animações mais recentes da Disney, ou até mesmo “As Meninas Superpoderosas”.
Não importa se o filme é “cult” ou “blockbuster”, os dois casos precisam de coerência, uma boa história e uma boa direção. Elementos que fazem muita falta em “Aves de Rapina”. Caso você, caro leitor, tenha interesse em ir ao cinema em breve, por sorte, existem muitas opções melhores que vão se manter em cartaz por algum tempo, devido a cerimônia do Oscar, aproveite para conferir essas produções no cinema.