O terror psicológico é um subgênero do horror que normalmente lida com a transformação de um personagem por vários meios, como alucinações, vozes na cabeça, possessão espiritual, bruxaria ou a própria degradação da psique humana, seja uma questão pós-traumática, causada por isolamento e etc. O que nos atrai neste tipo de filme é aquela sensação de adrenalina que o medo proporciona, despertando fortes emoções no espectador. O interessante é que esta categoria de filmes, que teve seu primeiro grande destaque durante a década de 70, está passando por uma diversidade e renovação bastante satisfatória nesta década, com filmes que buscam construir um clima de tensão e investem na antecipação do medo, ao invés dos manjados “jumpscares” e falsos documentários feitos em primeira pessoa. Há vários exemplos recentes de filmes assim, em destaque ‘O Espelho’ (2013), ‘Corrente do Mal’ (2014) ou ‘The Babadook’ (2014).
O austríaco ‘Boa Noite, Mamãe’ é outro grande exemplo deste neo movimento do terror psicológico. Dirigido pela dupla estreante em ficção Severin Fiala e Veronika Franz, o filme conta a história de dois irmãos, Lukas e Elias (os gêmeos Schwarz, que usam seus nomes reais no filme), que desconfiam que a mulher que vive com eles não é sua mãe. O motivo é que após uma cirurgia plástica, a mãe (Susanne Wuest, que no filme interpreta uma ex-atriz), volta para casa e precisa usar uma bandagem no rosto, mas para os garotos começa a se comportar de forma diferente do que era antes. O fato dos irmãos viverem em uma grande casa de campo isolada e terem apenas um ao outro para se distraírem, já é por si só um convite a imaginação fértil das crianças. Essa casa de campo é cercada de algumas árvores e principalmente um grande milharal, escolha que não tem muita relevância para a trama em si, mas que visualmente é espetacular.
Os diretores se aproveitam da paisagem exótica para dispor de planos bem abertos e tomadas panorâmicas, especialmente no início do filme, com o objetivo de situar o espectador naquele universo. Os primeiros minutos são espetaculares, onde juntamente do diretor de fotografia, os realizadores conseguiram determinar de cara qual seria a atmosfera visual empregada no filme, com um contraste de luzes fascinante (como um plano onde a câmera vai adentrando em uma caverna), unindo vários elementos que criam um clima bastante tenso e de suspense, por exemplo, devido aos poucos personagens a apresentação da história não tem muitas explicações desnecessárias, há pouco uso da trilha sonora e o que está no filme quase passa quase imperceptível ou serve como som diegético (através de um radinho). Percebam que essas escolhas deixam a história com uma maior sensação de “realidade”, ajudando na imersão do espectador.
Já era de se esperar que após toda essa mudança no status quo daquela família, como o trauma pós-cirúrgico e até mesmo o tédio das crianças por não terem contato com outras pessoas da mesma idade, as coisas começariam a ficar um tanto confusas e difíceis entre eles e a mãe. O filme não dá muitas pistas, e talvez aí resida o sucesso do seu mistério, mas faz o espectador elaborar sua própria especulação sobre o que pode estar acontecendo com os personagens. Portanto, é normal que algumas pessoas criem empatia e se preocupem mais com a mãe ou com os garotos, mas é difícil ficar dos dois lados ao mesmo tempo. Essa primeira metade do filme, onde os diretores deixam para o espectador conjeturar se há um problema de transtorno de personalidade dos personagens, ou a necessidade de ajuda médica como um EMDR (tratamento onde o paciente consegue reconstruir as memórias ruins superando algum trauma) funciona muito bem e nos leva ao desfecho do filme.
Todavia, nem tudo são flores. Durante o terço final do filme, há uma mudança brusca no tom que havia sido cuidadosamente construído até ali. Ok, talvez fosse o momento de sair da subjetividade e dar algo ao espectador e a decisão pode ter sido de chocar visualmente, mas sem revelar “spoilers”, causa certa estranheza que os fatos que se seguem até o desfecho do filme tenham tomado aquela direção. O saldo final é de um bom suspense elegantemente artístico, com todo o design de produção cuidadosamente pensado e um clima misterioso e envolvente. O desfecho não me pareceu satisfatório, talvez os diretores Franz e Fiala tenham acreditado que sua ideia fosse brilhante demais e sobrou certa pretensão no “plot twist” final, mas ainda é um filme que merece ser visto, uma experiência interessante, onde os atores fazem um bom trabalho (circula na internet a informação de que eles receberam o script no dia da gravação e não puderam estudar antes) e o filme consegue fazer parte deste neo movimento do terror psicológico citado no início do texto, ao lado de outros bons títulos como ‘Corrente do Mal’ e ‘The Babadook’.