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Seguindo os passos do escritor sueco Stieg Larsson, criador da série de livros “Millennium – Os Homens Que Não Amavam as Mulheres”, Hollywood aponta para mais um autor consagrado do chamado “thriller de crime escandinavo”. E seu alvo desta vez é o norueguês Jo Nesbø, com sua série de livros iniciada em 1997 com “Flaggermusmannen” (O Morcego), sobre o detetive Harry Hole. O capítulo escolhido para a adaptação foi o livro “Snømannen” (Boneco de Neve), considerado por alguns críticos literários uma pequena obra-prima do gênero.

A princípio, a direção ficaria por conta do genial Martin Scorsese, mas ele estava envolvido em outros projetos na época e o tempo acabou passando depressa. Assim, a direção caiu nas mãos de Tomas Alfredson, diretor sueco com bons filmes na carreira, como o terror “Deixe Ela Entrar” (2008) e “O Espião que Sabia Demais” (2011). Com os anúncios de Michael Fassbender para o papel principal e nomes como Rebecca Ferguson e Charlotte Gainsbourg no elenco, a expectativa por esse suspense nórdico ficava cada vez maior.

“Boneco de Neve” foi uma escolha interessante para apresentar o detetive Harry Hole (Fassbender) ao público, pois o livro é o sétimo da franquia, escrito em 2007. O filme conta a investigação do desaparecimento de várias mulheres em Oslo, capital da Noruega, e alguns padrões na escolha das vítimas, além de um boneco de neve deixado na cena do crime, levam a acreditar que há um serial killer à solta. Assim, Harry une forças com sua parceira Katrine (Ferguson) para desvendar o enigma e capturar o criminoso.

Famílias disfuncionais e traumas de infância

Embora seja um filme muito confuso, devido à vários problemas que citarei mais à frente, podemos dizer que “Boneco de Neve” é um alerta para crianças expostas a traumas por conta de pais negligentes e perversos. Como vemos logo nas primeiras cenas, casamentos infelizes, famílias destroçadas e crianças abandonadas podem acabar resultando em futuros adultos problemáticos, como uma espécie de círculo vicioso. Ao longo de todo o filme, não há uma família completamente funcional, mas toda a trama gira em torno de pessoas cujas relações fracassaram em algum ponto da vida. Isso vai de encontro ao próprio Harry, antiga lenda do departamento, mas que passa por um momento pessoal lastimável e autodestrutivo.

Sempre bêbado e com sua casa literalmente apodrecendo, Harry é um personagem complexo, que dedica todo seu carinho ao filho da sua ex, Rakel (Gainsbourg). O garoto quer conhecer o pai biológico, que não é nem Harry nem seu companheiro atual, Mathias (Jonas Karlsson). Essa preocupação de Harry para com o jovem pode ser reflexo de algum trauma da sua própria infância, mas infelizmente o filme não dá informações suficientes para o espectador conhecer e aprofundar mais o personagem, e isso acaba sendo muito frustrante até para gerar empatia por ele. Mesmo com o usual esforço de Fassbender, Harry Hole é um dos piores protagonistas detetives que eu já vi em um filme do gênero, pois mesmo após duas horas de filme, ao final ele continua nos parecendo “um estranho qualquer”.

Problemas na produção

O longa sofreu muitos problemas nas etapas da produção, que comprometeram seriamente o resultado final. Honestamente, ao término do filme eu não queria acreditar o quão decepcionante tinha sido minha experiência. Dados os nomes envolvidos no projeto, o filme pode ser considerado um dos mais frustrantes de 2017. Depois acabei lendo um artigo onde – com receio da má recepção de crítica e público – o próprio diretor apontou uma série de fatores que contribuíram para o fraco saldo final.

Segundo ele, praticamente 15% do roteiro não chegou a ser filmado, mudanças de locações também atrapalharam a continuidade da trama (tiveram que deixar Oslo com cenas ainda não filmadas e se mudar para Londres). Em uma história onde cada peça do quebra-cabeça precisa fazer sentido, a falta de algumas delas pode acabar sendo fatal. O músico Jonny Greenwood (da banda Radiohead) havia composto uma trilha especial que acabou sendo descartada, dando lugar a uma composição mais “segura” de Marco Beltrami (de “Pânico”), que ambientaria melhor a narrativa (mas acabou soando genérica demais). Resumindo, uma verdadeira bagunça.

 

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Falta de tensão e incapacidade de criar suspense

Diferentemente do livro, o principal problema de “Boneco de Neve” é sua incapacidade de gerar tensão e suspense, dois fatores obrigatórios para um filme do gênero. Além de Harry ser aquele típico personagem que todos admiram pelo seu passado, embora nós, espectadores, não tenhamos uma prova sequer de suas capacidades, todo o mistério do filme vai se dissolvendo aos poucos com a necessidade de explicação de cada etapa da investigação, já que praticamente nada faz sentido nas ações dos personagens. O longa quebra aquela preciosa regrinha dos bons roteiros: ao invés de mostrar algo (já que o cinema é audiovisual), ele prefere explicar. Depois de um tempo, fica praticamente insuportável acompanhar.

Lembrando que o suspense é a antecipação da ação e não a ação em si. A partir do momento em que a ação ocorre, o suspense já se foi, como nos ensinou o mestre Alfred Hitchcock. E geralmente, o suspense ocorre da tensão dramática do público saber algo que os personagens não saibam, mas aqui o filme esquece de mostrar para o espectador, então não temos ideia do quanto está em jogo naquele momento e quando a ação acontece, simplesmente não nos importamos.

Faltou nos dar mais informação, e com cenas tão “picotadas” – mal estamos em um ambiente ou observando um diálogo, daí o filme corta bruscamente para outro lugar completamente diferente – não dá nem tempo do espectador raciocinar e entender o que está se passando. Além disso, personagens vão surgindo e surgindo – J.K. Simmons e Cloe Sevigny também compõem o elenco – e o assassino pouco tem influência na trama. Mal nos apegamos a um personagem ou vítima, logo surgem outros casos. Não há conexão nem empatia com as vítimas também. Até flashbacks surgem para complicar ainda mais.

Ritmo cansativo e clichês do gênero

Ao mesmo tempo em que a edição “esquarteja” o filme, o mesmo sofre muito com o ritmo cansativo. De nada adianta buscar uma edição ágil, se na metade do filme parece que nada relevante aconteceu. Para piorar, o filme se apoia em várias convenções do gênero, desde tentativas baratas de ludibriar o espectador, passando por decisões incompreensíveis dos personagens, reviravoltas clichês e forçadas e etc. Há uma subtrama de candidatura aos Jogos Olímpicos de Inverno que soa completamente inútil e, mesmo prejudicados pelo fraquíssimo roteiro, as atuações são lastimáveis, pois o filme não consegue construir aquele universo de forma minimamente plausível.

Sendo assim, só resta lamentar por “Boneco de Neve” não conseguir ser metade do que poderia levando em conta tanto talento envolvido no projeto. Para mim, mais um tiro no pé de Michael Fassbender, após os fracos “Assassin’s Creed” e “Alien: Covenant” (e olha que eu gostei de “De Canção em Canção”), que parece estar tendo um 2017 bem complicado nas telas. Não vou fazer nenhum tipo de piada com o personagem de Val Kilmer, que apesar de ser um dos mais bizarros do ano, recentemente o ator declarou que estava com câncer na garganta desde 2015. O erro neste caso foi da produção que não o substituiu.

Apesar de algumas tomadas interessantes que se beneficiaram das belas paisagens naturais e da fotografia do vencedor do Oscar Dion Beebe (“Memórias de Uma Gueisha”), e de uma (beeem) vaga referência com o trabalho de Gustav Vigeland (1869-1943), escultor que tentava combinar paisagens com a riqueza simbólica de suas esculturas, chamadas de “Estudo da Humanidade” – que tem um parque em Oslo, inclusive, alguns de seus trabalhos são mostrados na abertura do filme – em matéria de thriller de crime, como deveria ser, praticamente nada funciona em “Boneco de Neve”. Um verdadeiro desperdício.

E você, já assistiu ou está ansioso para ver? Concorda ou discorda da análise? Deixe seu comentário ou crítica (educadamente) e até a próxima!

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