Quando a Disney anunciou que faria um filme solo da Cruella, a primeira questão que me veio em mente foi como eles conseguiriam nos fazer ter empatia por uma vilã conhecida por querer sequestrar e matar cachorrinhos para fazer um casaco com suas peles, mas é claro que essa não é toda a história. Em Cruella, conhecemos a origem da vilã, e deus capangas Horácio e Gaspar, desde sua infância até alguns momentos antes dos acontecimentos da animação 101 Dálmatas e somos apresentados ao outro lado da narrativa.
A história começa com a nascimento de Cruella que, apesar de já ter nascido com seu marcante cabelo preto e branco, nem sempre foi Cruella e sim Estella. Já uma criança na escola, conhecemos o temperamento explosivo de Estella e seu talento para a moda, sempre com uniformes customizados e o sonho de se tornar uma estilista, a menina se recusa a ser como todas as outras crianças e nunca levou desaforo para casa, o que acabava lhe rendendo bullying por parte dos colegas e várias “visitas” à sala do diretor, até sua inevitável expulsão. Sua mãe, sempre amorosa e compreensiva, chamava de “Cruella” a personalidade da menina quando passava dos limites e arranjava confusão e constantemente lhe falava para controlar a Cruella e ser sempre Estella, a menina doce, comportada e dentro dos padrões.
Depois de ter sido expulsa da escola, sua mãe decide que elas morariam em Londres, mas no caminho uma tragédia (que envolve dálmatas não tão bonzinhos) acontece e Estella se vê completamente sozinha na cidade grande – na verdade quase sozinha, já que tem a companhia de Buddy, seu cachorrinho (que ela não sequestrou e nem quer tirar a pele para fazer casaco) e fiel escudeiro, mas logo encontra com Horácio e Gaspar, na época crianças também, e os três se juntam para vida, não sem que antes Estella pintasse seu cabelo para chamar menos atenção.
Já adultos e vivendo como uma família, temos enfim Emma Stone como Estella, Paul Walter Hauser como Horácio e Joel Fry como Gaspar e a dinâmica do trio é natural, divertida e muito engraçada. Os três ganham a vida com roubos e golpes por todos os lugares que passam e têm, inclusive, a ajuda de Buddy, o cachorro de Estella e Wink, o cachorro de Horácio em suas falcatruas super elaboradas.
Apesar da vida de crime, Estella nunca abandonou seu sonho de se tornar uma grande estilista e quando Gaspar que sempre acreditou no seu potencial lhe consegue um emprego na maior e mais chique de Londres, ela não hesita em aceitar, ainda que a vaga não fosse exatamente o que ela esperava.
A dona da loja e maior estilista do momento é também a grande vilã do filme, a Baronesa (Emma Thompson). Cheia de sucesso, elegância, arrogância e egocentrismo, a Baronesa logo se mostra uma mulher detestável, mas também com um bom olho para identificar talentos. Estella logo chama sua atenção e é contratada para trabalhar no seu escritório, agora sim o emprego dos sonhos. Os designes de Estella fazem sucesso, mas é claro que não lhe é dado crédito algum por eles, tudo leva o nome da Baronesa.
Como Estella nunca foi de abaixar a cabeça para ninguém, sua personalidade mais “agressiva” aparece cada vez mais e ela leva seu alter ego a outro patamar quando começa a criar modelos com o nome de Cruella, sem que ninguém conhecesse sua real identidade, e a aparecer como a mesma, assumindo seu talento e também a real cor de seus cabelos, ao mesmo tempo que continuava a se passar por Estella trabalhando para a Baronesa.
Finalmente tendo uma concorrência, Baronesa começa uma guerra fashion com Cruella e seus duelos são, com certeza, a melhor parte do filme. Cruella está sempre um passo à frente e as sequências de desfiles e apresentação de seus modelos são acompanhadas de uma trilha sonora marcante e poderosa.
Além de cenas que entretém com tanto exagero e extravagância quanto a personagem em si, o filme ainda conta com uma trama instigante, mesmo que não muito inovadora, sobre as reais origens de Cruella que envolvem dramas familiares e muitas reviravoltas. O longa da Disney tem um pouco mais de 2 horas de duração – e uma cena pós-créditos – que são recheadas com cenas de ação, drama, comédia e até uma cena de assalto no melhor estilo Oito Mulheres e um Segredo, mas sem perder a veia lúdica de um filme Disney.
Emma Stone consegue entregar uma Cruella carismática ao mesmo tempo que mantém o ar vilanesco que faz da personagem o que ela é e se mostrou uma decisão acertada para o filme. Todo o elenco, inclusive, trabalha muito bem junto. Desde Emma Thompson, que nos faz amar odiar a realmente cruel Baronesa, até Kirby Howell-Baptiste e Kayvan Novak vivendo Anita e Roger, que têm papéis pequenos, mas ainda assim conseguem deixar sua marca. Vale também destacar o trabalho de John McCrea interpretando Artie, um estilista amigo e braço-direito de Cruella e primeiro grande personagem abertamente LGBTQ+ da Disney.
Prequels nem sempre dão certo, mas essa releitura dirigida por Craig Gillespie traz modernidade e grandiosidade à Cruella, desmistificando sua maldade sem perder sua essência. Cruella é engraçado, inesperadamente sombrio e exagerado na medida certa.