Em “Ford Vs Ferrari”, direção e elenco fazem milagre com o roteiro clichê e devem entrar na disputa pelo Oscar 2020

“Ford Vs Ferrari” é o novo longa de James Mangold (“Logan”, 2017) que se propõe a apresentar uma trama baseada nos acontecimentos entre 1959 e 1966 da história da Ford Motor Company. Sim, não se trata de uma versão com as duas visões da rixa entre as empresas do mercado automotivo, e sim uma versão com o lado norte-americano da história. Apesar de um roteiro pobre e essencialmente clichê, o diretor e o elenco, liderados por Christian Bale (“Vice”, 2019) e Matt Damon (“Perdido em Marte”, 2016), salvam o filme da mediocridade e apresentam uma obra com chances de levar algumas estatuetas do Oscar no ano que vem.

Os norte-americanos não têm nenhum escrúpulo para contar a sua versão de qualquer história que seja, e quando a história se relaciona com algum orgulho nacional, vale tudo para que a imagem deles não seja prejudicada. Em “Ford Vs Ferrari” não é diferente, com uma distorção moral de valores, a Ford ganha destaque pelo seu “jeitinho” na competição, porém o resultado é divertido e agradável.

O que pode incomodar um pouco é o roteiro, escrito por Jason Keller (“Plano de Fuga”, 2013), Jez Butterworth (“No Limite do Amanhã”, 2014) e John-Henry Butterworth (“No Limite do Amanhã”, 2014). São muitos elementos que são facilmente reconhecíveis pelo público: um expert arrogante, um executivo sacana, uma família humilde com problemas financeiros, uma criança que admira o pai, uma esposa com atitude. Porém, mesmo um texto clichê quando bem trabalhado pelo diretor e elenco pode ir além.

James Mangold mostra que não fez “só mais um filme” já nas primeiras cenas, que trazem um gostinho do espetáculo que será apresentado ao longo do filme. O diretor aposta em cenas de corrida de tirar o fôlego, com a câmera muito próximo do chão e takes em primeira pessoa, proporcionando uma experiência imersiva ao espectador. Experiência que é intensificada pela excepcional mixagem de som que consegue levar para o cinema todos os nuances sensoriais que normalmente só conseguem serem sentidos nas pistas de corrida.

Além da direção de Mangold, outro destaque do filme é a atuação de Christian Bale. Para interpretar o piloto britânico Ken Miles, o ator norte-americano não se esforçou para trazer um bom sotaque apenas. Bale traz o sotaque como a cereja do bolo de um trabalho corporal incrível, com uma postura e trejeitos muito característicos e nada caricatos. Matt Damon, por outro lado, não aparenta ter tido o mesmo esforço para entrar no papel de Carroll Shelby, o resultado não chama atenção, e em alguns momentos não consegue nem transmitir os sentimentos necessários para algumas cenas. Caitriona Balfe, conhecida pelo seriado “Outlander”, traz uma personagem de “personalidade forte” muito parecida com sua personagem do seriado britânico e protagoniza muito bem uma cena que certamente foi escrita com base nos valores atuais, mas muito dificilmente teria acontecido na década de 60.

O elenco de apoio ainda conta com Jon Bernthal (“The Walking Dead”, 2009), Josh Lucas (“Poseidon”, 2006), Tracy Letts (“Lady Bird”, 2017) e Noah Jupe (“Extraordinário”, 2017). Todos com desempenho competente, com muito destaque para o jovem Noah, de 14 anos, que traz para a tela a paixão e o orgulho de um filho pelo pai, de uma forma surpreendente que ultrapassa essa premissa clichê.

As duas horas e meia não são cansativas, pois nossos sentimentos se intercalam entre aflição, adrenalina e risadas. Bale e Mangold podem levar uma indicação ao Oscar pelo trabalho, além da equipe de mixagem de som, que além da indicação tem grandes chances de levar a estatueta. Os entusiastas de corridas e velocidade ficarão maravilhados com as cenas, e com todas as referências dos acontecimentos da época, mas é necessário ter em mente que é um filme feito por americanos, e que se formos analisar a história a fundo, não temos como não escolher e apoiar os italianos.

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