O vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes e candidato da França no Oscar 2020, ‘’Les Miserábles’’ (título original) é uma adaptação do curta-metragem homônimo do francês Ladj Ly, mesmo diretor do longa-metragem.
Segundo a intenção de Ly, a ideia de um país em união transmitida nas primeiras cenas onde multidões pelo país comemoram e festejam juntos durante os jogos da Copa do Mundo, é transformada com o decorrer da narrativa que a cada minuto se torna mais violenta e agressiva.
O filme mostra os primeiros dias de trabalho de Stéphane (Damien Bonnard) na Brigada Anti-Crime do subúrbio parisiense. Como o protagonista inexperiente ainda não sabe como funciona a ‘’política suburbana’’ e a gestão policial naquela área, acaba por representar o próprio público, que se espanta da mesma forma com tamanha balbúrdia e se choca com o comportamento dos seus colegas de trabalho Chris (Alexis Manenti) e Gwada (Djibril Zonga) perante os humildes cidadãos da cidade. Os brigadistas apresentam ao novato as facções que lideram cada distrito e a existência da incessante guerra pelo poder.
Esses grupos são divididos por religião, raça, idade, ou gênero e a cada novo conflito mais fragmentada a população de Montfermeil fica e a paz se distancia.
Quando um filhote de leão é sequestrado por um garotinho (Issa, interpretado por Issa Perica), os policiais durante perseguição, se excedem na abordagem e são flagrados por um drone – e agora ameaçados à exposição das verdadeiras atitudes da equipe.
Marcado este evento, a trama circula em torno dele até encontrar seu desfecho.
Ly na busca por mostrar um universo real e ao mesmo tempo feroz e altamente intenso, opta pela posição das câmeras bem próxima aos personagens e no meio de rodas que se formam em brigas, embates, em meio as discussões e tiros. O diretor consegue assim, passar a sensação de transmissão ao vivo e submergir o espectador àquela realidade selvagem.
A estética do filme é trabalhada precisamente, tendo uma iluminação, mixagem de som e captação de imagem fantástica, além da atuação satisfatória dos atores, apenas pecando em uma das cenas finais, onde os personagens Stéphane e Gwada se encontram em um bar para um diálogo importante, tendo como resultado uma atuação sem emoção e inexpressiva.
‘’Os Miseráveis’’ é feito para perturbar seu espectador e o revoltar perante injustiças. Mostra a urgência em enxergar as corrupções, principalmente da Polícia.
Entretanto, é necessário fazer um adendo: Ly expõe um evento simbólico, em um país desenvolvido e muito além do Brasil, mas a representação do impasse para a sociedade brasileira é muito singela tendo em vista as rotineiras corrupções, covardias, atrocidades e o ‘’esquecimento’’ dos direitos humanos por conta dessa Instituição.
Por fim, o drama político consegue trazer diversas questões – algumas retóricas – à tona e as largam nas mãos do próprio público:
Quem são os reais miseráveis tendo em vista que moradores e policiais vivem seus dias em um ciclo de guerras entre si? Será que é um ciclo? Quando e como ele se conclui? Como Montfermeil era antes disso? Se é que já teve um ‘’antes’’. Nenhum policial nunca agiu diferente das atitudes padrões e errôneas?
Como a política local se estabelece depois da cena final? Será que alguma mudança foi capaz de ocorrer?