“Um pai faz sua própria justiça”. O grande Mel Gibson retorna ao cinema após um ano sabático no thriller de ação chamado ‘Herança de Sangue’. A produção francesa é dirigida por Jean-François Richet e conta também com outros nomes conhecidos como William H. Macy e Diego Luna. Na trama, Link (Gibson) é um ex-presidiário que procura sua filha Lydia (Erin Moriarty) que está desaparecida, e quando a encontra, precisa protegê-la de perigosos traficantes que também estão atrás dela.
O filme é uma produção bastante modesta e não tem a intenção de ser autoral, inovar em algum aspecto ou sequer passar uma mensagem que pudesse ser aplicada na vida real (a não ser que o título faça uma alusão a ‘dar uma segunda chance’ a alguém…). Pelo contrário, a narrativa é em grande parte formulaica, podendo até ser considerada uma “homenagem” aos filmes de “justiceiro” dos anos 80 e 90. O filme foi adaptado pelo próprio autor do livro Peter Craig, que tem no currículo filmes populares como ‘Atração Perigosa’ (2010) e os dois últimos da franquia ‘Jogos Vorazes’.
Filmado nas paisagens castigadas do deserto do Novo México, ‘Herança de Sangue’ deve agradar bastante aos fãs de Mel Gibson, não apenas pela grande presença que o ator ainda impõe na tela, mas pela similaridade que seu personagem tem com o icônico Mad Max – provando inclusive que mesmo em ‘Estrada da Fúria’ ele poderia facilmente ter retornado ao papel principal. Mas, para aquele espectador mais exigente e que não tem uma memória afetiva com o ator ou esse tipo de filme, o roteiro tem muitos, mas muitos problemas. As inconsistências são tantas que acabam tirando o espectador do filme em vários momentos pela falta de verossimilhança mesmo dentro do universo do filme.
Primeiramente não há estabelecida uma relação prévia entre pai e filha. Pensem por exemplo no efeito futuro (neste caso, quando o pai estiver protegendo a filha) da importância de uma cena que estabeleça esse carinho entre os dois, como Liam Neeson levando seu humilde presente ao aniversário da filha em ‘Busca Implacável’ ou a admiração crescente entre Greasy e Lupita (Denzel e Dakota Fanning) em ‘Chamas da Vingança’. Quando o espectador sabe da importância de um personagem para o outro e sente o carinho verdadeiro entre ambos, fica muito mais fácil para ele criar empatia com os personagens e se envolver com o filme. Mas aqui em ‘Herança de Sangue’ isso não acontece. Os fatos vão se atropelando e da forma como acontecem não há impacto emocional algum. Mas, o roteiro também não ajuda, pois há vários furos e decisões tomadas bastante questionáveis ao longo do desenvolvimento do filme.
A jovem Erin Moriarty é uma decepção, sendo que tanto no visual quanto na postura (porque para o visual funcionar depende da atitude, certo?), entrega uma ‘rebelde’ totalmente artificial e sem carisma. Sério, mesmo se eu fosse Mel Gibson e ela fosse minha filha eu não veria motivos para salvá-la, pois ela não tem qualidade alguma. E dentre as inconsistências de roteiro estão o fato de que ela recebe uma arma antes de um “assalto” e um dos bandidos da gangue fica lamentando porque não recebeu, ou quando ela “dá um tiro” de cocaína e ao invés de ficar louca, cometer uma besteira, é o único momento em todo o filme no qual ela raciocina e toma a atitude certa, entre outras coisas. São detalhes que muitos podem nem pensar a respeito (os que fizeram o filme certamente não pensaram), mas que aos mais atentos e exigentes acabam com a credibilidade da história, com o envolvimento no filme.
Nas cenas de ação também não há nada de especial, elas são filmadas com pressa e não há nenhum momento que fique marcado na mente por ter se destacado. Há planos e contraplanos convencionais nos diálogos, muito câmera trêmula, dando a impressão de que esse filme já foi visto várias vezes anteriormente, e bem melhor dirigido, diga-se de passagem. Portanto, basicamente ‘Herança de Sangue’ é indicado para quem gosta de filmes ‘b’ de ação, com plots genéricos e quase nenhuma imprevisibilidade. Talvez a coisa que mais mereça elogios no filme é a presença ainda bastante imponente de Mel Gibson, mas que também é facilitada pela incompetência dos bandidos do filme – esse é mais um exemplo de filme que ao invés de mostrar para o espectador o nível do perigo que os personagens terão de enfrentar, só fala e nada faz. Fala-se em cartel, como os vilões são perigosos, mas essa ameaça nunca se traduz de fato, pois os bandidos podem até ter cara feia, mas são uma piada (e míopes). ‘Herança de Sangue’ funciona para um público restrito de filmes de ação, mas não como o drama familiar que tenta abordar, pois seu fraco roteiro impede qualquer envolvimento emocional mais profundo.