O ótimo documentário “Libelu – Abaixo a Ditadura” relembra bons momentos do movimento estudantil e espelha o momento atual do Brasil.
Com o endurecimento do regime militar, os principais movimentos estudantis caíram na clandestinidade e muitos enfraqueceram com exílio, mortes e torturas. O ponto de partida dessa posição foi o incêndio da sede da União Nacional dos Estudantes, no Rio de Janeiro, em 1964. A partir dali qualquer movimento organizado por universitários era visto como ameaça para o governo e era reprimido.
Resistir era preciso e assim surgiu o Movimento Liberdade e Luta ou Libelu, no campus da USP em 1976 formado por estudantes que eram diferentões demais do que os colegas de outros movimentos de esquerda e fizeram desse preconceito sua marca. Os atores desse movimento político e libertário foram fundamentais para a criação do Partido dos Trabalhadores no anos 80 e alguns viveram seu auge integrando o governo do presidente Lula entre 2003 e 2010.
O documentário “Libelu – Abaixo a ditadura” resgata através dos mais variados personagens como a arquiteta Anne Marie Sumner, a jornalista Cleusa Turra, o sociólogo e jornalista Demétrio Magnoli, o jornalista José Arbex Júnior, o jornalista Reinaldo Azevedo entre outros nomes, as memórias deste período histórico, da perseguição política e até mesmo do estranhamento da opinião pública sobre aqueles estudantes com ideais revolucionários, mas contrários a luta armada e com pensamento destoante ao do partido Comunista.
O longa se aproveita de uma montagem bem dinâmica que usa imagens de arquivo para complementar e ilustrar as boas histórias contadas, como as cenas que mostram a ação do Coronel Erasmo Dias, então secretário estadual de segurança pública tentando impedir as reuniões de integrantes da Libelu e outros movimentos na PUC numa das iniciativas que tentavam organizar a refundação da UNE e mobilizar manifestações contra o governo militar. É interessante para o espectador comparar o que mudou dessa turma depois de 40 anos e ver que alguns desajustados e inconsequentes da década de 70 viraram os caretas de 2020.
Um dos depoimentos mais interessantes e importantes é do médico e ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antônio Palocci, condenado há 12 anos de prisão por recebimento de caixa 2 e outros crimes denunciados na Operação Lava Jato.
O político que se desfiliou do PT depois de mais 30 anos se mostra arrependido e vê sua atuação no governo mais conservadora do que sua ideologia nos anos de luta estudantil.
Os membros do Libelu defendiam ideologias Trotskistas que pregavam uma revolução constante através da classe operária e políticas de bem estar social que se perderam ou se corromperam à medida que alguns sucumbiram ao sistema político vigente.
O documentário vencedor do Festival “É tudo verdade” em 2020 leva à uma discussão sobre a transição da juventude para vida adulta e sobre o envelhecimento da esquerda e a perda de ideais ao mesmo tempo que mais responsabilidades chegam para todos. A direção do estreante Diógenes Muniz é impecável seja na escolha da locação, dos personagens e do ritmo da história.
É estranho pensar que uma geração cheia de ideais libertários e modernos permitiu o avanço de uma sociedade tão conservadora e atrasada ao poder. Essa reflexão faz esse filme ainda mais necessário para entender o contexto político atual.
Paulo Leminski eternizou nos seus versos uma homenagem à Libelu: “Me enterrem com os trotskistas na cova comum dos idealistas onde jazem aqueles que o poder não corrompeu”. Se o poeta soubesse o que destino de muitos daqueles guardou para o futuro ficaria decepcionado.
Libelu chega aos cinemas em 13 de maio, entra em cartaz nas plataformas digitais em 27 de maio e depois estreia no Canal Brasil no dia 20/07.