Talvez nem todos conheçam a atriz parisiense Julie Delpy da forma como ela merece. Isso se deve basicamente porque talvez os maiores trabalhos de sua carreira tenham sido curiosamente em duas trilogias incríveis, mas nem tanto familiares ao grande público. Tanto na “trilogia das cores”, mas principalmente na “trilogia do amanhecer”, a atriz provou toda sua capacidade de atuação, realçando de forma impressionante uma aura “humana” as suas personagens Dominique e Céline. Mas não foi apenas por suas atuações que Julie ganhou destaque mundialmente. A prova disto foram duas indicações ao Oscar de Melhor Roteiro, compartilhada com seus colegas de ‘Antes do Pôr do Sol’ e ‘Antes da Meia-Noite’, além dos elogios recebidos por duas comedias escritas e dirigidas por ela, ‘2 Dias em Paris’ e ‘Dois Dias em Nova York’. Neste seu mais novo trabalho, ‘Lolo: O Filho da Minha Namorada’, Julie mais uma vez se aventura no campo da comédia, ao contar as confusões sofridas por um recém-casal, graças ao filho enciumado dela.
Em ‘Lolo’, Delpy interpreta Violette, uma mulher de aproximadamente 40 anos, solteira e bastante focada em sua carreira no ramo da moda. Meio que sob pressão de suas amigas, Violette acaba conhecendo Jean-René (Dany Boon), um especialista em tecnologia que está desenvolvendo o trabalho de sua vida, um software de computador que promete revolucionar o sistema de um banco. Enquanto a improvável relação de amor entre os dois vai florescendo, Lolo (Vincent Lacoste), o filho mimado de Violette, tenta dificultar ao máximo esse relacionamento, já que não foi muito com a cara do novo “papai”. Apesar da abertura bastante animada e do tom satírico que o filme aparenta ter (o próprio nome e pôster do filme fazem alusão à ‘Lolita’ de Kubrick, já fazendo referência a um personagem jovem e manipulador, como é Lolo), e de seguir a “fórmula” das comédias românticas convencionais, Julie tenta inserir como subtexto um conflito quase que “edipiano” entre o jovem e sua mãe, o que mesmo indiretamente, já traz uma aura mais “sombria” para o filme.
Nesse sentido, a diretora coloca metáforas bem interessantes e de certo modo sutis, demonstrando que essa dependência de Lolo pela sua mãe não era algo muito saudável – em um café da manhã, Violetta lhe prepara dois ovos que colocados lado a lado, remetem claramente aos seios de sua mãe, algo que vai se conectar com um flashback de amamentação mais à frente e a uma escultura no quarto de Lolo, que também possui o mesmo formato). Mas esse subtexto acaba sendo um pouco decepcionante, por ter sido, digamos, mal explorado, sendo que não há uma conclusão coerente para que esta metáfora se prove realmente necessária para a história. Há, inclusive, uma mudança de tom bastante evidente no último terço do filme, onde a trama parece ficar bem mais dramática, mas falta coragem para a diretora arriscar um ponto de vista sequer relevante sobre o assunto e logo a trama volta a sua “zona de conforto” de comédia romântica convencional.
A atuação do trio principal não compromete negativamente o filme, mas o roteiro, cheio de situações cômicas triviais e elementos exaustivamente utilizados em comédias físicas (como pó de mico ou bebida “batizada”), também não contribui para que o elenco possa entregar algo mais original e interessante. Julie está totalmente à vontade no papel de Violetta, mas Vincent Lacoste como Lolo, interpreta um vilão bastante caricato, quase um personagem malvado de história infantil – a trilha sonora, inclusive, remete ao efeito “mickey mousing”, tentando passar (sem sucesso) um clima de humor não muito explícito na cena. Já o personagem de Dany Boon, Jean-René, é totalmente ingênuo, impedindo o expectador de se identificar com ele, pois essa personalidade unidimensional, aliada a idas e vindas muito convenientes do roteiro, torna cada vez mais difícil a imersão dentro da história. Sem falar que nem todas as piadas funcionam e o elenco de apoio também é bastante caricato, como a amiga que só fala sacanagem…
Mesmo com o charme da presença de Julie Delpy, ‘Lolo’ falha em servir como estudo de casal e em passar alguma mensagem ao espectador por ser bastante previsível e pouco corajoso – até pela pouca química da dupla principal – e mesmo quando toca em assuntos teoricamente mais “densos”, como o complexo de Édipo, o abandona sem conclusão (há também escrito a palavra “inferno” na cozinha e uma referência ao filme ‘Aldeia dos Amaldiçoados’, no qual as crianças se rebelam contra os adultos, mas nada realmente justifica esses elementos estarem ali). Provavelmente vai encontrar seu público entre admiradores do gênero, mas não fosse a localidade em que a história se passa e de algumas piadas regionais, se encaixaria facilmente na categoria de “comédias românticas clichês de Hollywood”. Uma pena, porque é um desperdício de talento de uma atriz e roteirista que comprovadamente tem qualidade para entregar uma história com roteiro e diálogos muito melhores.