Quebrar paradigmas é algo que Gillian Flynn sabe fazer como ninguém, mas nem por isso existe uma garantia de que suas obras consigam ser devidamente adaptadas para a sétima arte. Aliás, essa é uma tarefa que transcende o trabalho de um bom roteirista e precisa, também, do perfeito equilíbrio para com a direção.
Assim, ‘Lugares Escuros’ é adaptação direta de ‘Dark Places’ (até porque o título é um tradução literal), sem tirar nem por. É de uma literalidade explícita, que praticamente escancara qualquer virtuosidade que possa existir no texto. Se isso pode ser extremamente relevante para os fãs da autora; em se tratando de cinema, esbarra na mesmice e nos clichês dos suspenses mais banais.
Obviamente que a ‘culpa’ não é de Flynn e sim de Gilles Paquet-Brenner, que sempre esforçou-se para dirigir fitas dramáticas, como filmes de terror b. Não é nenhum demérito, e de certa forma funciona muito bem em algumas obras de sua filmografia (tal como em ‘A Chave de Sarah’, que está mais para um suspense). No entanto é uma catástrofe em outras (como em ‘Gomez Vs. Tavréz’, que é uma comédia de ação). Para o bem e para o mal, seu estilo não muda e dificilmente será ‘melhorado’ à medida do tempo.
Além disso, soa como um verdadeiro desperdício ter um elenco com nomes como Chloë Grace Moretz, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Corey Stoll, Tye Sheridan e Christina Hendricks, e não demonstrar as peculiaridades que se destacam em cada um dos personagens. Para termos de comparação, Fincher em todo primeiro ato de ‘Garota Exemplar’ demonstrou que as incertezas pairavam até sobre os personagens mais rasos e definidos. Gilles por sua vez gasta em torno de 2 horas, e desenvolve pouco os personagens e seus específicos universos.
Dificilmente ‘Lugares Escuros’ cairá no gosto do público cinematográfico. Se não existem diferenças taxativas em termos de narrativa, a concepção e desenvolvimento dos personagens pesa bastante contra o filme. Longe de ser ruim, o diretor francês torna um exercício do estudo da personalidade em algo banal, tal como distribuir papeis no teatro (não que isso seja simples).
Um dos principais lemas de Sigmund Freud parece ter sido esquecido, mas ainda assim referenciado dentro do filme: “Quando a dor de não estar vivendo for maior que o medo da mudança, a pessoa muda”. Não é uma máxima, muito menos um norte, mas poderia muito bem ser levado em conta ao tratar de uma obra tão complexa.