MACBETH

“O belo é podre, e o podre, belo sabe ser; ambos pairam na cerração e na imundície do ar.” Eis a frase pronunciada por 3 bruxas na planície da batalha enquanto Macbeth, valente general escocês garante a paz em território conflituoso com os rebeldes irlandeses e noruegueses. Após a vitória profetizam sua ascensão ao trono de Duncan, rei instituído. Mesmo tendo uma esposa estéril e um único filho morto, Macbeth quer o trono. Sua fidelidade ao rei, torna-se ambição a coroa. “O Belo é podre, e o podre belo sabe ser.” O século XVI, a era de Shakespeare foi marcada pelo medo da instabilidade política.

MACBETH 1

A cada sucessão ao trono inglês, as direções religiosas (católica e protestante) mudavam a configuração econômica da cristandade. Ambas as frentes estavam em guerra interna; as pestes e a fome diminuíram a demografia da Inglaterra ao lado das aventuras do descobrimento no novo mundo que privaram as famílias de seus pais por mortes e mutilações físicas das viagens. O nacionalismo através de Elizabeth era a necessidade para manter o equilíbrio da nação. Mais importava a fidelidade a rainha do que a igreja (anglicana em seu governo), pois a “Invencível Armada” espanhola era o maior fantasma de uma regressão econômica e de fundamentalismo religioso inquisitorial. Esta é a época agitada em que Maquiavel (1469-1527) pronunciou que a “virtude”, ou “virtus” seria a salvação de um monarca. A astúcia e ambição deveriam mover seu caminho para os interesses do reino, não do clero. O estado laico, ou distanciado da religião. O homem acima dos “desígnios de Deus”. Este é o período chamado de Renascimento.

MACBETH 2

A peça mais sinistra do bardo questiona até que ponto a ambição cria grandes reinos, ou grandes tiranias. Para isto, espertamente o autor volta no tempo na Escócia medieval dos relatos dos reis Duff e Duncan, Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda com suas regiões despovoadas de pequenos acampamentos. Macbeth (Fassbender) e Lady Macbeth (Cotillard) veem na profecia não-cristã uma desculpa para matar Duncan e seus sucessores. A produção tão aguardada deste ano é de um compromisso histórico assustador, por sua direção de arte, figurino, fotografia gótica e clima de pesadelo quase “monotônicos”. O texto é pronunciado de forma sussurrada, introspectiva, o que valoriza a força estética. Isto é cinema, não um palco. Este foi o erro de Coriolanus (2011) de Ralph Fiennes ou as adaptações de Kenneth Branagh. No teatro, assim como na literatura, o texto falado ou escrito é o protagonista. Em cinema os artifícios técnicos é que criam a narrativa. Desta forma, ‘Macbeth: Ambição & Guerra’ (2015) do diretor Justin Kurzel, australiano escalado para a adaptação do game ‘Assassin’s Creed’ em 2016, é de uma intransigência quase religiosa a peça amaldiçoada de Willian Shakespeare. Atormentado por seus atos, morte após morte, distancia-se do humano que há em si mesmo, tornando-se assim um personagem da era moderna. “Um monte de escorpiões em minha mente”. Curiosamente, como em todas as personagens femininas do autor, vemos a insistência e loucura de sua mulher em promover o caos para obter o poder, mesmo que o trono estéril de herdeiros assim o seja. O poder pelo poder.

MACBETH 3

Lady Macbeth é a maior vilã de sua obra, e a atriz francesa de ‘Piaf: Um Hino ao Amor’ (2007) garante o desafio com uma atuação cheia de camadas. Os planos abertos das batalhas não têm grandes panorâmicas nem movimentos, mas conservam uma crueza autêntica das batalhas homem a homem. Não é um filme para todos, mas Shakespeare, apesar da popularidade universal, também não o é. Esperamos boas notícias dele para o Oscar 2016, pois em Cannes já adentrou com barulho e elogios.

MACBETH 4

A inversão de valores no poder político torna a história atemporal, ainda mais num país como o nosso onde os interesses sempre foram privados e não públicos. Não fossem os excessos de câmera lenta, seria uma experiência perfeita. Bom filme.

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