MANHÃS DE SETEMBRO | LINIKER PROTAGONIZA SÉRIE SENSÍVEL SOBRE AFETO, FAMÍLIA E A REALIDADE TRANS

O Amazon Prime Video vem cumprindo sua promessa de investir em produções nacionais e sua mais nova série tem a cara de um Brasil muitas vezes esquecido e sempre ignorado.

Manhãs de Setembro conta a história de Cassandra, uma mulher trans que leva uma vida simples, mas muito digna, trabalhando como entregadora. Ela tem amigos, um namorado e, depois de anos se esforçando para conquistar sua independência, consegue alugar uma quitinete que é motivo de muito orgulho, mas tanto sua independência quanto seus sonhos são “ameaçados” quando, de repente, aparece em sua porta um filho de 10 anos que ela nunca soube que existia.

Quem dá vida à Cassandra é Liniker, também uma mulher trans na vida real e uma cantora que virou atriz. Na série, Cassandra também canta (e as cenas são maravilhosas, Liniker é uma das vozes mais lindas dessa geração da música brasileira), mas mais como um hobby ou um bico para complementar a renda. Ainda assim, a música é extremamente presente na sua vida e na sua história, principalmente na figura da cantora Vanusa, que é a voz da consciência e fonte de força de Cassandra.

Manhãs de Setembro tem muitas qualidades, mas a que mais se destaca é sua brasilidade. Desde a ambientação até os personagens e seus dilemas são absolutamente característicos da nossa sociedade atual. Leide (Karine Teles) é uma ex-namorada de Cassandra de mais de 10 anos atrás e as duas nunca mais haviam se encontrado. Leide é mãe do Gersinho, trabalha vendendo mercadorias nos faróis e é obrigada a morar em seu carro com o filho, o menino sempre quis conhecer o pai e depois de uma noite particularmente difícil na rua, Leide cede e leva Gersinho para conhecer Cassandra.

Cassandra não tem uma vida luxuosa – muito pelo contrário – ela vive com o mínimo, mas tem uma vida honesta e nos trilhos. Isso, por si só, já é outra qualidade da série. É muito raro vermos produções que abordam os desafios de mulheres trans sem que elas estejam em uma posição de perigo ou de extrema vulnerabilidade, muitas vezes envolvidas com prostituição e crimes. É verdade que essa ainda é, infelizmente, uma realidade para muitas mulheres, mas uma nova realidade é cada vez mais possível. Manhãs de Setembro consegue mostrar isso de forma certeira.

Ao mesmo tempo em que Cassandra é, de certa forma, uma mulher realizada, fica evidente que sua trajetória não foi nada fácil. Ela é uma pessoa séria, muitas vezes amargurada e muito individualista, mas se ela não consegue sorrir para vida, é porque a vida também pouco lhe sorriu. Ainda assim, Cassandra comemora suas vitórias e corre atrás dos seus sonhos e é por conta dessa ambição que não consegue se conectar com o menino que só quer ter uma nova figura parental em sua vida.

Quando conhece Cassandra, a primeira coisa que Gersinho diz é “você é muito bonita, pai” e essa frase é uma ótima síntese da série. Manhãs de Setembro tem a sensibilidade e o conhecimento necessário para contar a história de uma mulher trans, mostrando sua condição como mulher sem apagar sua realidade como trans. O fato de Cassandra ter um amor correspondido em sua vida é mais um acerto da série. O relacionamento não é exatamente ideal, o namorado de Cassandra, Ivaldo (Thomas Aquino) tem outra família, mas o amor que divide com Cassandra é muito bonito e, novamente, mostra uma nova possibilidade de representação de mulheres trans no audiovisual.

A relação de Cassandra e Gersinho é conturbada do começo ao fim dos 5 episódios que compõem a primeira temporada. A última coisa que Cassandra quer é se tornar responsável por uma outra pessoa, principalmente quando tinha conseguido, enfim, sua liberdade. Ao mesmo tempo, seu filho não conhece qualquer liberdade ou conforto e se encontra em situação muito mais vulnerável. Além disso, tanto a presença de Leide quanto de Gersinho são uma constante lembrança de um passado que Cassandra não tem qualquer vontade de relembrar. Seu impasse é muito bem retratado e consegue emocionar.

Manhãs de Setembro é uma produção “simples” e honesta que consegue nos colocar dentro da história e das emoções de seus personagens.

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