Pegando carona na onda dos remakes (que não parecem ter fim), Hollywood continua adaptando obras premiadas e elogiadas ao redor do mundo para fazer sua versão própria e contar da sua forma essas histórias. Após garimpar sucessos na Ásia (‘Oldboy’) ou aqui na América do Sul (‘O Segredo dos Seus Olhos’), a bola da vez foi ir até a Europa para adaptar um dos filmes mais perturbadores do cinema francês na última década, o terror ‘Mártires’ (2008). Os diretores irmãos Michael e Kevin Goetz foram os responsáveis por filmar o roteiro escrito por Mark L. Smith, da franquia de suspense/terror ‘Temos Vagas’ e que trabalhou em conjunto com Alejandro G. Inarritu no sucesso ‘O Regresso’ (2015) recentemente.
A estrutura da história é praticamente a mesma do filme original: a jovem Lucie parte atrás de vingança das pessoas que a mantiveram em cativeiro e a torturaram durante a sua infância e acaba descobrindo que tudo na verdade faz parte de um plano muito maior e mais bizarro. A diferença está no subtexto, que no filme original chamava a atenção propositalmente para incomodar o espectador, relacionando esse mal-estar com o absurdo dos abusos infantis e da violência contra os indefesos mostrados em cena. Já nesta nova versão, o contexto é abordado com pouquíssima profundidade, transformando a obra mais em uma trama de vingança, do que qualquer outra coisa.
Um dos grandes problemas de ‘Martyrs’ é a inconsistência da história e a indecisão do tipo de filme que ele se propõe a ser. Visivelmente o filme é inspirado pela “pornografia da dor”, ou seja, filmes gore como ‘O Albergue’ (2005), por exemplo, mas que também flerta com o lado sobrenatural e da metafísica como faz ‘Jessabelle’ (2014). Há uma óbvia inspiração em ‘Doce Vingança’ (2010) e até o propósito de chocar o espectador – como mencionado anteriormente – de forma semelhante ao que ‘Holocausto Canibal’ (1980) ou ‘A Serbian Film’ (2010) deliberadamente se propuseram a fazer. Nenhum desses núcleos é satisfatoriamente alcançado em ‘Martyrs’, impedindo que qualquer abordagem que o filme tente funcione, tornando a trama completamente confusa e com decisões extremamente gratuitas na tela.
Como dito anteriormente, a relevância do tema da tortura e de inocentes mantidos em cativeiro é completamente ofuscada por uma direção sem um objetivo claro, onde através de flashbacks o filme tenta atribuir algum sentido para justificar a motivação e as ações das personagens Lucie (Troian Bellisario) e Anna (Bailey Noble), que criam uma amizade inabalável de forma muito mal desenvolvida, onde mesmo de boa vontade o espectador não acredita naquilo. E o pior é que sequer há um trabalho de criatividade ou identidade própria dos irmãos Goetz na forma de filmar as cenas, pois as mesmas são reproduzidas fielmente como no filme original, o que mostra também uma preguiça enorme de desenvolvimento do projeto.
As atuações também não se salvam. As duas atrizes principais, que praticamente monopolizam todas as cenas do filme, entregam uma atuação extremamente artificial e risível, talvez vítimas de um roteiro e de frases absurdas, mas mesmo quando precisam “atuar”, por assim dizer, exageram nos gritos e na histeria transformando toda a trama que já é completamente implausível em um melodrama cheio de clichês e decisões mal resolvidas onde o espectador nunca se vê tenso pelo que pode acontecer, apenas a mercê de alguns “jumpscares”. Nem a trilha sonora, que tenta gerar no espectador alguma resposta – não diria emocional, mas de apreensão, perigo – consegue ao menos se destacar por ser bastante genérica.
Concluindo, filmes como ‘Martyrs’ são a prova cabal de que essa história de remakes sem limite, precisa acabar. É compreensível que algumas obras mais antigas possam acabar em novas leituras contemporâneas interessantes, já que um filme sempre corresponde a um momento socioeconômico ou localização na qual ele está sendo produzido – como diria o historiador especializado em cinema Marc Ferro – mas filmes com menos de dez anos que nem se provaram clássicos acabam resultando neste desperdício de produção, pois quantos roteiros bons devem ficar engavetados e provavelmente nunca terão uma chance de chegar aos cinemas em virtude disto. ‘Martyrs’ é um filme desnecessário, mal concebido e que faz muitos filmes “trash” parecerem obras-primas diante da sua mediocridade e falta de coragem.