Ainda que o cinema de terror esteja passando por uma fase, digamos, diferente (apesar do termo não fazer jus), a indústria cinematográfica anda pelo caminho contrário. Diante grandes conquistas de bilheteria, remakes e continuações de franquias vem se mostrando funcionais quando o assunto é monetização. Com o intuito de atingir o sentimento saudosista dos espectadores, dar uma cara limpa para obras antigas não é uma estratégia nova de Hollywood, porém, com a evolução tecnológica e com um público ainda mais consumidor, tornou-se uma onda popular e ainda sem previsão de fim.
Mesmo que o uso da estratégia seja cada vez mais clara em outros gêneros, com o terror não seria diferente, como citado no texto de Histórias Assustadoras Para Contar no Escuro. E esta nova versão de Brinquedo Assassino passa pela mesma coisa, mas acerta onde o longa de André Ovredal errou.
Conhecido por roteiros de curtas e games, Tyler Burton Smith contava com a custosa tarefa de dar uma nova roupagem ao personagem de Don Mancini – apresentado em 1988 – para uma nova geração. O plano que compõe a primeira camada do longa, tornando Chucky – brilhantemente dublado por Mark Hamill – um assistente de voz, tal como Alexa e Google Home, provou-se de uma farta perspicácia para tornar o público atual muito mais conectado com seus personagens e na realidade dos mesmos. No entanto, a segunda camada, composta não só pelas ideias primárias, mas também pela narrativa, faz de Brinquedo Assassino algo distante, tornando-se um paradoxo em suas próprias escolhas.
Burton Smith, no intuito de respeitar a obra original ou de simplesmente seguir a tendência mercadológica, adota uma linguagem muito oitentista dentro da realidade atual. E isso é mais reforçado pela direção Lars Klevberg. Ainda que o espectador se sinta conectado com a narrativa diante dos recursos tecnológicos e inteligência artificial, tudo no visual – e até na relação dos personagens – é antigo. Seja através do uso da tecnologia de modo geral – sem envolver o boneco – ou até mesmo o figurino. Mas na narrativa, isso se torna ainda mais nítido.
Tanto Burton Smith quanto Klevberg realizaram uma repaginação fiel ao longa de 88, acrescentando novos tons. No caso, o gore e o cômico – muito mais explorados nas sequências, do que, necessariamente, no primeiro filme – são a principal fonte para esta repaginação. A mudança que Mancini adotou no universo do personagem, principalmente a partir de 1998, com A Noiva de Chucky, ajudou ainda mais na popularização do personagem, que adota um clima mais sádico, porém, engraçado. Aqui, por sua vez, há uma tentativa de equilíbrio disfuncional, já que Klevberg tenta trazer momentos de terror, trabalhando planos e trilhas, porém, o que se sobressalta é o cômico, transformando Brinquedo Assassino mais em um terrir trash, do que terror. A vantagem é que o texto realiza a função muito bem, entregando timing de comédia de qualidade e dando um ritmo saudável à narrativa, o contrário de Histórias Assustadoras.
Com diversão e violência, Brinquedo Assassino consegue conquistar o público, mas, mantendo-se um filme mediano diante sua narrativa previsível. Apesar do espírito saudosista ser importante para uma conexão, faltou coragem em arriscar para trazer algo mais complexo e também mais próximo do terror. Para não falar que o roteiro não acerta, há sim boas escolhas de adaptação, principalmente a já citada sobre o uso de recursos tecnológicos atuais. Ainda que o uso do nome de Chucky tenha sido introduzido de uma maneira vergonhosa no nível de Han Solo (2018), é inegável que fazê-lo uma I.A. faz das entrelinhas de Brinquedo Assassino algo significativo.
Como é constantemente falado em textos do gênero, terror funciona como uma maneira de crítica a determinado segmento do mundo atual, e se torna clara a intenção de Burton Smith em realizar algumas a grandes conglomerados de tecnologia, como Apple, Amazon, mas principalmente Google e até a Tesla, de Elon Musk. O que torna a obra um bom episódio de Black Mirror (2011 -). Outro acerto está em sua narrativa com ambientação mais comedida, que não só relembra o filme de 88, mas como também grandes clássicos do terror com seus filmes “pequenos”. Isso não só limita a ação do personagem principal, como também dá uma liberdade ao diretor para explorar diferentes maneiras a sua estrutura e uso de câmeras. Apesar de Klevberg não explorar tanto assim, como James Wan realiza na franquia Invocação do Mal, por exemplo, há um trabalho honesto diante da proposta estabelecida, conseguindo um equilíbrio entre o humor e o gore, mesmo com um terror mais ameno.
Ainda que o longa adote o perfil das versões mais “modernas” do personagem, seu visual se afasta do rosto coberto de cicatrizes, mas mantém o mistério envolta do olhar. Mesmo assim, há um certo estranhamento primário em relação à suas novas feições, contudo, torna-se aceitável com o caminhar narrativo. O agrado deste ponto está no aproveitamento de efeitos práticos para a ação do personagem, o que torna tudo mais palatável e mais realista.
Enquanto Hamill brilha dando os tons corretos ao brinquedo – relembrando suas entonações maléficas como Coringa – o elenco de apoio não chama tanta atenção. Ainda que Brian Tyree Henry e Gabriel Bateman realizem suas funções de maneira concisa, Aubrey Plaza decepciona por não demonstrar força de interpretação o suficiente para se sustentar como protagonista. Mesmo que o foco esteja direcionado para a relação entre o Andy (Bateman) e Chucky, Karen (Aubrey) tem uma importância significativa como uma espécie de fio condutor com alguns personagens, mas, dentro do trabalho proposto por Klevberg, não há um sustento nem no drama da narrativa, e muito menos na comédia e no terror. Além da relação estrategicamente forçada entre sua personagem e o do Tyree Henry para futuros filmes, que são cogitados logo nos primeiros minutos da história.
No fim, este se torna o principal objetivo do estúdio. Principalmente após A Maldição de Chucky (2013) não ter atingido o sucesso esperado, torna-se estratégico se aproveitar de estruturas narrativas que funcionaram no passado para, dessa vez, olhar para o futuro.